Gaiolas
Tenho uma fantasia recorrente de estar no meio do deserto.
Fantasia porque estou acordado - não sonho;
Fantasia porque me parece agradável.
O deserto pareceu-me uma coisa óptima desde a primeira vez que o vi. Pareceu-me a corporização de uma metáfora que junta o tudo e o nada e a constante mutação sem alteração visível; esta segunda parte é um bocado como as verdadeiras alterações que se dão nas pessoas. As maiores transformações não se dão com o aumento ou perda de peso nem com a tonificação ou falta dela. As maiores transformações dão-se por baixo da derme. Imperceptíveis ao olhar exterior mas incomparavelmente mais aptas a afectar tudo e todos.
O deserto parece-me, também, o mais puro dos realismos. Nada metafórico.
Estamos sozinhos e, quando lá metidos, não há como pensar diferente.
Eu sei, eu sei...vivemos em sociedade e somos gregários e cenas.
Sim, desde tempos que ninguém lembra o pessoal juntava-se para caçar e para se proteger pelos números mas...estar com gente não é o contrário de estar sozinho.
Os outros só se impregnam até onde conseguem e, ainda que muito queiramos, não é possível que formem uma comunidade intuitiva connosco. Na verdade, quantos de nós se permitem impregnar-se na realidade do que lhes passa por entre as orelhas?
Não quero parecer metafísico. Não sou.
O que quero dizer com a última afirmação é que há verdades próprias a que não acedemos e outras a que escolhemos não aceder porque não é fixe.
Os cobardes não se querem ver cobardes;
Os burros não se querem ver burros;
Os fracos não se querem ver fracos.
E também não quero dizer que saber é sempre melhor. Não é.
Quando sabemos onde deveríamos ou quereríamos ser outra coisa que não somos, a coisa não é agradável.
Ah, mas em mim ninguém manda!
- Sim, K. As outras pessoas não mandam em ti mas tu estás longe de ser livre!
Não foi uma asserção errada e nem desconhecida.
Só foi um bocado desconcertante porque estas coisas tendem a não ser vistas e, em boa verdade, nem sequer reconhecidas.
Reconheci há muito.
Foi vista uma ou outra vez.
....e então estou, como vocês mas provavelmente por motivos diferentes, preso numa gaiola.
Só que eu detesto ser controlado e isto inclui-se quando me sinto controlado pelas minhas ideias e princípios e essa merda toda.
Intelectualmente, dir-vos-ei que aquilo a que se chama consciência é ridículo! Ninguém se vai lembrar da vossa consciência quando ela deixar de ser útil. Ninguém vai querer saber da vossa consciência na altura em que ela não sirva para serem controláveis. Ninguém vai ter interesse na vossa consciência quando os actos forem contrários ao que de vocês se espera.
E depois, quando tombarmos, ninguém vai querer saber do que andaram por cá a fazer e nem deviam. Somos todos pó microscópico do tempo. Irrelevantes. Sem interesse individual. Sem o que acrescentar.
Não tenho qualquer problema com a minha insignificância...então para que quero esta cruz a que chamamos consciência?
Não quero mas ela não me larga.
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