Tuesday, May 24, 2016

Coragem?

Já muito se disse e escreveu a respeito mas este assunto, como outros, está dependente da perspectiva e do que se entende como sendo mais ou menos relevante.
A minha perspectiva, em geral sobre as nuances, pode ser explicada por um episódio do House: uma gaja apareceu doente e tinha uma memória prodigiosa, então todos acharam que possuía uma coisa muito rara chamada memória eidética...deu-se não ser esse o caso. O que ela sofria era de um caso extremo de TOC.

Percebem?
Ela lembrava-se de tudo, como quem tem memória eidética, mas a enfermidade era outra.

Há uns tempos soube que alguém que conheço quer ser mãe. Essa mesma pessoa sofre de uma doença degenerativa incurável. Uma doença que, graças aos avanços da medicina, pode ser controlada mas não resolvida; pode-se viver melhor durante mais tempo mas não tanto tempo como as pessoas que não sofrem do mesmo e muito menos da mesma maneira.

É, para mim, de uma coragem assinalável alguém com uma espada sobre a cabeça decidir procriar quando sabe que não verá - ao que tudo indica - a sua cria atingir a idade adulta.

Poderão dizer-me ah, mas temos todos uma sentença de morte e ela pode muito bem enterrar-te! e a este argumento, válido e real, respondo assim: Deixem de ser estúpidos!
É verdade que ela pode enterrar-me mas a probabilidade de isso acontecer é baixa;
É verdade que ela pode estar mentalmente saudável muito mais tempo do que eu mas a probabilidade é baixa.
Quem acha que isto é irrelevante: Deixe de ser estúpido!
....até porque, para mim, quem começa alguma coisa com a ideia - e as circunstâncias que apoiem essa ideia - sabendo que vai acabar mal é ou corajoso ou parvo.

No caso dela, acho que é coragem. Uma coragem que me escaparia, seguramente.

Aparentemente, sou um gajo corajoso.
Não vacilo e sigo em frente, independentemente de quase tudo.
Isto vê-se e existe mas não resulta da falta de medo, resulta apesar dele.
Eu sinto medo, como a maioria das pessoas que não é demente, mas contrariamente a muitas delas (em muitas circunstâncias, nunca todas) irrita-me ter medo, pelo que tendo a enfrentar e ir para o derrube da coisa.
É uma pequena diferença psicológica mas não é indiferente.

Por exemplo:
Sou capaz de não ligar a um gajo que me insulte no trânsito ou que seja parvo num bar qualquer, se não estiver num dia mau;
Não sou capaz de não ligar a dois gajos que me insultem no trânsito ou que sejam parvos num bar qualquer, em quase todas as circunstâncias.

No primeiro caso, não sinto nada. Normalmente, um gajo é insuficiente para me fazer sentir ameaçado;
No segundo caso, sinto que a coisa pode azedar. Dois gajos, em princípio, são suficientes para me fazer sentir ameaçado.
Não gosto de sentir medo nem gosto de me sentir ameaçado. Tendo a reagir mal.

Voltando:
caso a doença da minha amiga me apoquentasse, é improvável que pensasse em procriar e, para ser completamente honesto, é improvável que pensasse, sequer, em ter uma qualquer relação duradoura (eu sei, eu sei...não sofro de nenhuma maleita assim e também não tenho muito sucesso em relações duradouras ou em pensar em entrar nelas...mas é por outros motivos).
Pensar, no começo, que vai ter um fim definido e inevitável faz-me ter vontade de nem sequer começar, é sempre assim. Foi sempre assim.

Ela é corajosa e é corajosa numa área que me escapa.

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