Wednesday, September 20, 2017

"As Vítimas"

Em tese, tenho alguma inveja das pessoas que se vitimizam.
Parece-me altamente gratificante sentir-se que nada é de responsabilidade própria; deve ser impecável sentir-se que o Mundo conjura contra nós; soa-me a maravilhoso acreditar que umas cartas e umas leituras de mão ou umas rezas vão fazer por nós o que nós mesmo não conseguimos.

E o melhor de assim se comportar é que teremos a sensação que estamos sempre em casa. Somos todos vítimas porque ninguém percebe como me pode ter isto acontecido?!
Reparem, por exemplo, nos Comunistas que continuam a sê-lo independentemente das consequências conhecidas; esta gente quer um papá sob a forma de Ditador para lhes dizer o que fazer para que não tenham de, custosamente, escolher o que vestir.
Reparem, por exemplo, nos religiosos extremistas de qualquer quadrante que se dão por contentes ao lerem umas regras que não se sabe bem quem escreveu e a segui-las exonerando-as de toda a responsabilidade que, custosamente, teriam de carregar.

Eu sei, eu sei.
Um gajo lê umas merdas na Net e ouve umas cenas na rádio e vê uma bagatelas na TV e parece que vivemos na época do multiculturalismo e do individualismo mas se todos disserem que são do carpe diem e que querem é liberdade e amor para todos estão a ser arrebanhados e nunca pastores.

Em tese, tenho alguma inveja desta gente da mesma forma que, em tese, tenho alguma inveja da força de um elefante.
Na verdade, não invejo nenhuma das coisas porque as não posso ter por muito que queira.

Não me sinto confortável a exigir que me deixem em paz para, depois, ir dizer que a culpa é de quem não me apoquenta;
Não me sinto confortável a defender que quanto mais trabalho mais sorte tenho para, depois, ir dizer que tudo o que de mal me acontece é azar.

Eu sei, eu sei...esta mania de ser coerente também está démodé mas eu não quero ser moderno.

Quando olho ao espelho, vejo um bocado o Mr.Meursault mas é só um bocado.
Também me recusarei a contar uma mentira sobre mim mesmo que isso me custe a vida (é por isso que só me lembra um bocado. Acho que mentiria para salvar a vida mas talvez não o fizesse para salvar uma...vá, perna).

PS.

Deram-me este livro quando tinha - acho - 26 ou 27 e, nessa altura, não sabia quem era o Camus e muito menos sobre o que versava o livro.
Depois, li-o e pensei por que caralho me deram isto?!
Uma década depois, tornou-se claro como a água.

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