Wednesday, March 11, 2020

Fraqueza

Hoje, perguntei a um gajo que trabalha comigo se queria ir almoçar ao X; foi ele que me falou do X e eu gosto daquilo; além disso, simpatiza com o gajo. É um bocado chato e fala um bocado demais mas é bom tipo.

Bem, o gajo disse-me que tinha trazido almoço.
Naturalmente e essa merda estraga-se de um dia para o outro?! Deixa de ser bicha!
(isto pode ter parecido agressivo mas destinava-se, apenas, a ter graça e há, de facto, gente que não vai porque tem almoço).
Dá-se que não era isso.

Ele, humildemente e de uma forma que eu jamais faria!, disse-me que, por outras palavras, que era uma questão de dinheiro. Começou a explicar-me que a mulher ainda estava em casa - foi mãe há pouco - e que só recebia... desliguei aqui. Não ouvi mais porque fiquei constrangido.
Depois, quando ia sair para almoçar, de forma audível para que não parecesse que lhe estava a fazer um favor, disse caguei no almoço que trouxeste. Vamos embora!

Lá fomos e paguei o almoço.
Não perguntei nada, só paguei, e ele não disse nada;
Não fingiu que não queria e também não agradeceu.
Não se ter oferecido para pagar o próprio almoço, só me fez pensar caralho, a merda não deve andar boa, o que me deixou ainda mais constrangido um bocado;
Não ter agradecido foi um favor que me fez. Já chegava como estava.

Lamento por ele como lamento por toda a gente que tem problemas de dinheiro.
Dinheiro não vale nada nem interessa coisa nenhuma, menos quando não se tem. Caso em que é, basicamente, tudo.
Se não tem dinheiro para almoçar, por que motivo decidiu ter um segundo filho?
Se não tem dinheiro para almoçar, por que motivo está a pensar mudar de casa?
Se não tem dinheiro para almoçar, por que motivo trocou de carro (ainda que usado e ainda que antigo)?
Em primeiro lugar, pode ser o advento do segundo filho que implica e implicou todas as mudanças mas...pá...na minha cabeça, mais um quarto e um carro melhor não compensam a infelicidade; mas talvez isso não o faça infeliz.
Em segundo lugar, mesmo que ele seja estúpido e faça todas as escolhas erradas, continuava a não ter dinheiro para almoçar.

Não se confundam: não passei a ser um social justice warrior. Ainda continuo a achar e a praticar que cada um faz a cama em que se deita.
Mas esta merda chateou-me.

É possível, contudo, que o que me preocupa mais no meio disto tudo seja Eu. 
É o que costuma acontecer.

Fui comprar um computador há uns dias.
Analisei duas opções, depois de consultados especialistas: uma delas custava mais 200,00€ do que a outra, pelo que perguntei qual a diferença.
Explicaram-me e percebi que, para as minhas necessidades, só haveria de pagar mais 200,00€ por questões estéticas. Eu achava mais bonito.
Ela também achava mais bonito, pelo que perguntei: achas que é 200,00€ mais bonito? Se achares, sa foda, eu compro!
Ela achou mais bonito mas achou, também, que 200,00€ era dinheiro a mais.

Lá fui à loja e disse ao gajo:
Olhe, eu vim comprar o X. Dá-se que o meu plafond é de Y, pelo que se me puder tirar 50,00€ ao Z (o de + 200,00€) eu posso levar esse.
O gajo disse que não podia
Eu trouxe o mais barato.

O que eu fiz foi propor um negócio que apaziguaria a minha consciência. Nada mais.
Na minha cabeça, teria vencido ao conseguir o desconto e a minha consciência aceitaria pagar mais só por ser bonito.
É estúpido. Eu sei. É real.

Ah, K, o que tem essa merda que ver com a cena do almoço?
Isto:
No dia seguinte, contei a história a um gajo que trabalha comigo e, ao que descrevi, acrescentei isto: se fosse verdade que tinha um plafond  e que não podia gastar mais do que isso, nunca pediria desconto nenhum!
E é verdade.
Não se trata, exactamente, de ter vergonha de não ter dinheiro. Há muitas coisas para as quais não tenho dinheiro (sendo verdade, também, que não quero ou almejo ter a esmagadora maioria das coisas que não posso comprar).
Também não é que tenha vergonha que as outras pessoas soubessem que não tinha dinheiro. É óbvio que todos que me rodeiam sabem que há coisas que não posso comprar.

É difícil de explicar, na verdade.
É parecido com uma sensação de vulnerabilidade e de prisão. Achar que há qualquer coisa que quero e que não consigo pagar, especialmente uma merda não propriamente luxuosa (como um computador) faz-me sentir agrilhoado.

...por isso, quando o gajo não tinha dinheiro para almoçar, doeu-me a mim.
Se fosse eu, sentiria - e isto é de certeza! - que a minha vida não merecia ser vivida.
Parece dramático, eu sei.
Sei, também, que pode muito bem acontecer-me, por muito que tente evitar.
Não desconsidero que pode fazer-me parecer um materialista que eu não sou.

....mas apesar de não ligar ao dinheiro em si ou às coisas que ele pode dar ou à posição pessoal que pode permitir, para mim, dinheiro = liberdade. Só isso. E isso é tudo.

É capaz, ainda, de se dar o caso de estar demasiado sensível a isto porque vou produzir outro ser humano mas isso ficará para outra vez.
Chega de deprimir. 

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