Friday, August 07, 2020

PATERNIDADE E CENAS

 Não tenho por hábito sentir-me culpado por não corresponder ao que é suposto.

Um dos motivos para isso é que não sinto dever nada a ninguém. Não tenho nenhum interesse em impressionar os outros.

Outro dos motivos é que não confio no que as pessoas dizem. Sempre foi assim mas piorou com o advento das redes sociais; quantos estão a viver a vinha com que sempre sonharam, ontem, e deram um tiro na tola - ou equivalente - hoje.

...e voltou, mais ou menos, a acontecer agora.

Por causa do COVID, quando fui à primeira ecografia depois do estado de emergência estava um matagal de gente indignada porque a ecografia seria apenas com a futura mãe e sem o futuro pai e não estavam a permitir a visita dos pais aos recém nascidos.

Estava no meio desta gente mas não como esta gente; aceitei, relaxado, não poder assistir e pareceu-me justo não admitir a visita a recém nascidos. O que interessa não é a minha alegria nem bem estar mas antes a saúde e segurana dElas.

Quando a minha filha nasceu não dei por ter ficado feliz como se ouve e escreve por todo o lado. Não vi a luz. Não achei que agora conhecia o que era o amor. Não passei a sentir o coração a bater-me fora do corpo.

O que senti foi um alívio imenso por Ela ter saúde e todos os dedos. Senti um imenso alívio porque Ela (aqui, a minha mulher) estava bem depois do parto. Alívio. Não felicidade.

Com o passar dos dias - ainda não se passaram muitos - estou, agora, a começar a ultrapassar a preocupação. Começo, agora, a deixar a realidade do que está a acontecer abraçar-me sem que esteja, apenas, preocupado.

E preocupado porquê?

A alteração de paradigma é óbvia e comum. Nada tem de especial. Mas eu não sou como os outros.

Porque não culpo ninguém por nada do que me acontece, sinto o peso de toda a responsabilidade de uma forma muito intensa. Tão intensa que não aprecio. Agora, tudo depende de mim, ainda que seja óbvio que não depende tudo de mim. Não estou sozinho nisto.

Sem desligar do que escrevi, assumo todas as minhas decisões e quase nunca sofro por causa das consequências; ou seja: as minhas decisões estão longe de serem perfeitas mas só me dói na pele a mim por isso, não me queixo e só pago. Para a próxima farei melhor, se der mas, agora, não acho que possa fazer isso.

 

A anestesista veio visitar a menina e perguntou-me como me sentia.

Respondi preocupado. Era verdade. É verdade. Independentemente disso, não paraliso e faço o que tenho de fazer por Elas e com Elas...mas estou preocupado.

As médicas - TODAS médicas - não aparentam simpatizar muito comigo. Isto achei, relativamente, estranho.

Suponho que por serem as especialidades que são, tentam ser menos analíticas e esperam que os pacientes o sejam também...mas eu nunca fui para uma consulta de nenhuma especialidade falar de sentimentos...

Queria saber números e dados e expectativas. Caguei, sempre, para as ecografias a 4D e em saber se era rapaz ou rapatiga e, depois, com quem era parecida. 

Peso? Posição? Tamanho? Batimento cardíaco? Expectativa de nascimento? É melhor parto normal ou cesariana?

...mas acho que não apreciaram. Ou o produto que estavam a vender não ia ser comprado. Ou pensaram que eu era um sociopata. 

(a pediatra, comigo presente, discorreu sobre como Ela precisava de ajuda e que toda a atenção seria para a criança e não devia pensar em arrumar ou cozinhar. Estava, claramente, a dar-me um recado e, pareceu-me, esperava uma qualquer reacção da minha parte que não teve. Não lhe devo explicações nenhumas e não lhas ia dar mas Ela, por ser melhor pessoa que eu, decidiu dizer-lhe não se preocupe com isso. O K faz tudo e sempre foi ele que cozinhou. O K muda fraldas e tudo o resto.

Não me ofendeu que ela pensasse que eu não fazia nenhum, deve ser mais ou menos comum. E, a juntar, porque não estou a trabalhar, ando sempre de calções e, estando a trabalhar ou não, a minha barba é muito mal amanhada. Presumiu que além de ser como os outros...se calhar ainda era pior porque...pareço saído das cavernas.)

 

Por agora...chega. 

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