Tuesday, February 08, 2011

Volta e meia tenho algum orgulho na forma como fui evoluindo enquanto pessoa. Não é muito comum isto acontecer porque, as mais das vezes, vejo com uma enorme clareza os meus defeitos e desprezo as minhas qualidades (isto não acontece por acaso. Acredito que temos de prestar muitíssima mais atenção onde falhamos do que onde somos bem sucedidos...no sucesso pouco ou nada há a melhorar).

Bem, o que me empurrou para este moderado e momentâneo orgulho prende-se com o livro que ando a ler, uma colectânea de discursos de figuras notáveis (socialmente boas e más mas todas notáveis), onde se encontra, também, José Saramago.
Nunca gostei de Saramago. Não gostei enquanto foi vivo e não passei a gostar depois que morreu.
Há muito mas muito nele que me causa uma profunda aversão. Aversão tal que me fez desejar que o Nóbel fosse para Espanha.

Ora, o discurso dele na aceitação do dito prémio é notável! Independentemente da falta de carinho (para ser eufemista) que lhe tenho, o discurso foi notável!
Estava pejado de quase tudo quanto me agrada na humanidade. Tinha carne, tinha pulso e tinha sangue. Era eu e eras tu naquilo que nos une e não no que nos separa (ou seja, absolutamente o contrário do que vi - e vi bem, a minha ideia não mudou - naquele homem durante décadas. Neste momento, contudo, não era pedante e desceu do seu pedestal).
Como há sempre algo que nos fica mais perto do coração quando gostamos de um todo, darei relevo às palavras pré-morte da avó de Saramago e que ele referiu no discurso (a avó de Saramago era uma mulher do campo, daquelas que lavrou a terra e não foi abençoada - ou amaldiçoada - com nada de material):

"O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer" (uma mulher que não tinha medo, tinha pena porque o mundo era bonito. À nossa imagem, ela não teve nada de bonito. Não estudou nem teve um carro, viveu com lama nos pés e ainda assim achava tudo bonito).

E é isto.
Esta coisa que me deu de conseguir reparar e reconhecer a beleza onde, em boa verdade, nada mais via do que desprezo. Conseguir ser tocado por quem me causa a maior das repulsas.
Há uns anos sentiria isto como uma derrota, uma fraqueza que deve ser ignorada.
Hoje dá-me esperança. Esperança para ti e para mim. Uma esperança que não é cega nem sequer muito forte mas que está lá.

Como alguém cujo nome não recordo terá dito uma vez: "há sempre uma fenda. Se não houvesse, como entraria a luz?"

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