Saturday, October 10, 2015

A VÍTIMA

Excluindo os que vitima, e nem sempre, todos temos pena das vítimas, sejam elas vítimas do que forem.
Muitas das vezes, a minha pena para com elas é mitigada e isto tem que ver com a minha ideia de que o pessoal põe-se a jeito. 
O que é, por vezes, desconsiderado é a paz de espírito que o conceito de vítima encerra.

Ia dizer que ninguém quer ser vítima mas depois lembrei-me do conceito de vitimização. Sendo discutível se quem se vitimiza quer ser vítima mas apenas parecer, o cerne da questão está lá, ainda que de forma camuflada: ser vítima dá descanso.
Ontem, a meio de um concerto a que não assisti metade, pelo menos, enquanto estava a tentar ir buscar finos, quem me acompanhava perguntou-se e então? como andam as coisas? ao que respondi nada de interessante... casa - trabalho... sempre sozinho e abandonado...
Quem me perguntou conhece-me relativamente mal, daí ter dito que aquilo que tinha dito não tinha muito que ver comigo mas não apanhou que era sarcasmo com o intuito (falhado) de ter graça.

,,,mas a questão é essa mesmo, descontando a tentativa humorística: Sentir-se alvo de injustiças para as quais nem se contribuiu nem se tem forma de contrariar descansa.

Acho que já fui vítima, como já fomos todos, mas nunca me senti como tal porque a minha mentalidade impede-me de pensar-me como desprotegido e incapaz de se defender; o meu perfil não é de vítima mas isso nem sempre é uma coisa boa, embora visto de fora seja muito apreciado.
Ser-me-ia mais agradável conceder que me fazem ou fizeram coisas que não mereço e que tenho de me sujeitar ao que há;
Ser-me-ia mais fácil baixar os braços ao devir e encolher os ombros face à intempérie;
Ser-me-ia mais fácil apontar o dedo e dizer a culpa é dele ou dela e ser crente de que há coisas que não controlo e, reparem, há mesmo coisas que não controlo, nem seria mentira.

Não sei fazer disso.
...e regressa-se ao lado problemático e muito desagradável de se encarar o que me rodeia da forma como encaro: Interessa o que EU acho e não o que OUTROS poderão achar; Interessa o que EU faço e não o que os OUTROS poderão fazer.

Poderia, com pirotecnia à mistura, alicerçar o que acabo de dizer com factos. Não me parece discutível que se alguma coisa pode ser controlada ou gerida é a própria actuação e não a alheia; não está sujeito a discussão o quão racional é deixar para os outros o que é com os outros e para mim o que é comigo.
Poderia mas isso seria escolher apenas a parte da questão que me interessa quando tenho de fazer os outros sentirem-se parvos com o quanto se preocupam com o que os rodeia e com o que o que os rodeia pensa deles.

Eu sou assim porque não gosto de ser dependente.
Esta independência que levou à misantropia e poderá levar a coisa pior tem a desvantagem de não me permitir espalhar a culpa por outros lados, lados esses onde a culpa pode, de facto, residir. Esta independência impede-me de me sentir uma vítima mesmo quanto, eventualmente, o seja.

É verdade que tem vantagens.
Não me interessa que achem que sou burro ou feio ou gordo ou incapaz ou estúpido ou atrasado mental. O meio-ambiente afecta-me, infelizmente, mas muito pouco.
É irrelevante, para mim, que concordem ou não com o que eu acho e ando em esforço violento para não tentar convencer ninguém de que são parvos porque não acham o mesmo que eu.

É verdade que tem desvantagens.
Quando não se considera com acuidade o que o que rodeia tem a dizer deixamos de ter onde nos segurar no momento em que a coisa azeda.
Podemos fugir da sala ou do país ou do planeta mas não podemos largar-nos. E porque não podemos largar-nos e porque somos responsáveis por todos os nossos actos não há como mitigar o mal que nos fazemos mesmo quando os outros nos fazem porque, sendo como se é, fomos nós que permitimos que nos fizessem.

E, a espaços, o maior problema de todos que entronca no que acabei de referir:
Imagine-se que se quer dar pancada em alguém porque fez algo que não deveria ter feito; Imagine-se que se quer infligir sofrimento a quem não fez o que deveria ter feito.
Faz-se? Ataca-se?
As células dizem que sim mas, depois, o cérebro avisa: Não sejas burro! Se vais atacar alguém por ter feito o que quis fazer estás a ser muito mais burro do que essa pessoa! Ela fez o que quis e tu, agora, fazes o que quiseres. Ninguém tem culpa de se sujeitar além de quem se sujeita.
O cérebro costuma ter razão.

É cansativo ser-se eu.
Lá isso é.

Mas tem coisas boas e não estou a ponderar mudar, ainda que fosse sempre duvidosos que conseguisse.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home