Viajar
1. É possível que soe um bocado possidónio (sa foda);
2. É provável que seja mais uma manifestação de eu não sou de cá!. Se for, é só mais uma.
As perguntas que mais me têm sido feitas são superou as expectativas?, como são as praias? e o que há para ver?.
São óbvias e comuns.
Em tese, compreendo-as. Intimamente, não as percebo.
...
Comecei a viajar em vez de ir de férias antes de compreender a diferença entre uma coisa e outra.
A primeira vez que fui para longe caí em lado nenhum. Caí num lugar onde não havia nada para ver.
Tinha praia e o clima era tropical. Não sabia mais que isto.
Acabei por chegar a uma aldeia piscatória onde havia autóctones e meia dúzia de surfistas. A noite acabava as 23hs e eu tinha 20 anos.
Tinha previsto demorar 8 horas desde o aeroporto onde cheguei até ao lugar onde ia ficar. Demorei mais de 18.
Adorei.
Foi a melhor coisa que me aconteceu.
Depois disto, férias e atracções deixaram de me interessar mas, naquela altura, por ignorância e juventude, não conhecia ninguém que viajasse e nem literatura de viagem que reflectisse o que tinha vivido.
As pessoas que falavam ou escreviam sobre viagens mostravam tudo espectacular e os lugares incríveis onde tinham ido e a comida deliciosa que tinham encontrado e a eterna animação e alegria da viagem.
...a minha experiência não tinha sido - e nunca mais seria - nada de semelhante ao que via naquelas pessoas.
Tive momentos chatos em que tinha vontade de falar com alguém que não estava lá;
Fui a lugares horríveis onde nunca voltaria;
Senti-me em baixo quando o plano não resultou ou quando a escolha foi errada;
Comi mal alguma vezes porque não existe lugar em que não se encontre comida de merda.
E, depois, descobri o Paul Theroux, sem querer.
Descobri aquilo que, para mim, é literatura de viagem e aquilo que tentava fazer sempre que ia para qualquer lado e também o que me acontecia.
A viagem são os transportes públicos e os restaurantes onde os locais comem e as zonas onde, de facto, vivem e o aspecto das suas escolas e os atrasos e as quedas e as ruas desagradáveis e as pessoas com quem se vai falando e que não são, directa ou indirectamente, nossas empregadas no momento ou que não nos querem vender nada.
Antes de azedar, deixam-me dizer que não critico quem não quer ir fazer o mesmo que eu.
As pessoas querem fugir do seu quotidiano mas não do cultural. O que as pessoas querem é, durante uma semanita, viver num quarto que não têm e comer comida que não cozinham e parecer quem não são.
Eu também quero fugir do meu quotidiano mas mesmo para sair dele. Mesmo para conhecer o que não conheço.
..............
Depois de tantas vezes ouvir aquelas bem intencionadas perguntas começo a ficar irritado.
É-me impossível entender como pode alguém imaginar que faria 20hs de avião para ver praias e muitíssimo menos para ver edifícios ou monumentos ou merda desse tipo.
Adoro praias e a minha vaidade - e olhos verdes - adora estar morena;
Prédios dizem-me coisa nenhuma;
Museus, muito pouco;
Monumentos, quase nada.
Ah, K, seu filisteu! poderão dizer e talvez estejam certos.
Se houver um museu ou um prédio ou um monumento para ver, é provável que os visite e, até, que goste deles. Mas 20hs de avião para isso? Tenho livros e televisão e fotos.
Ah, K, mas ao vivo é outra coisa!! e é mesmo mas não é outra coisa o suficiente para me prender a minha vida inteira num caixão de metal com asas onde nem sequer posso fumar!
O que eu quero é o lugar e o que o lugar é.
E isso é cultura.
O que há para ver?! Tudo.
A questão das expectativas é pertinente mas o problema é que eu não vou com expectativas concretas.
A única coisa que levo na bagagem é vontade de ver o que não vejo aqui e conhecer o que não conheço aqui...e essa expectativa está garantida.
Mesmo que a pergunta versasse sobre se gostei ou não, ainda assim a provável resposta seria sempre sim porque ir nunca me desilude. Não fazer desilude-me.
E agora, que azedei:
Como pode alguém ir para um hotel e achar que conheceu alguma merda?
Como pode alguém conhecer apenas os guias turísticos e os empregados e dizer que adorou as pessoas?
Como pode alguém dizer o que há para ver? quando não vai ver nada que acrescente ao que outros viram e, provavelmente, viram melhor?
Como pode alguém dizer que alguma viagem é demasiado tempo quando passa uma semana (?!) num resort?
O que a maioria dos que nos rodeiam quer não é ir mas dizer que foi.
O que interessa é o que se viu na meia dúzia de fotografias mal centradas dos lugares mais batidos e com as frases mais emblemáticas e vazias que se conseguir.
O que querem é debitar umas merdas que reputam interessantes e explicar o quão bom era o Hotel.
Aparência? Tudo.
Substância? Nada.
...mas olham para mim como um atrasado mental que não percebe o o que há para ver?
Nesta minha viagem, o que mais interessou aos outros foi a cor e tonalidade das águas. Não se enganem! Era e é impressionante. Achei incrível. Lindíssimo. Nunca estive em lugar tão naturalmente belo na minha vida.
...mas pensam que - novamente! - farei 20hs para ver outra vez a água de lá?!
Tinha mais para escrever mas cansei-me.
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