Thursday, February 26, 2015

O João Donato compôs o Simples Carinho para, sem saber, a Ângela Rô Rô cantar e disse-lhe que amar é sofrer, eu vou te dizer mas vou duvidar. Querendo ou não, o meu coração já quer se entregar. Como se não bastasse, explicou-lhe, também, que te sinto no ar, na brisa do mar, eu quero te ver...pois ontem à noite, sonhando acordada, dormi com você.

Não estará muito enganado. Sem sair da brasilidade, o Mestre Cartola não achava coisa diferente, ainda que com mais arte, e o Vinicius de Morais pensava coisa semelhante, ainda que melhor escrito.
A Monica Vitti, dirigida pelo Antonioni no La Notte, disse ao Marcello Mastroiani que quem me dera não existir porque não te posso mais amar.

A diferença principal entre um vírus clássico e isto é que os outros vírus não se querem apanhar. Melhor. Este também não se quer mas quando se fica doente não se pretende curar.

Se se ler suficientes historietas de cordel e se se prestar a atenção ao que os politicamente correctos nos dizem, todos dizem que este estado é uma maravilha porque nos faz sentir bem e a vida tem mais cor e a felicidade banha-nos como se fosse o nosso chuveiro privativo. 
Não é. Quem acha isto não sabe daquilo que fala porque, possivelmente, nunca viveu; pode, contudo, dar-se que estas mesmas pessoas sabem que estão a mentir mas recusam-se a revelar que quando lhes aconteceu doeu muito. E dói muito.

O Amor é a história da negação. 
Faz-se o que não é característico; faz-se o que se não consegue evitar; com aquela pessoa somos outra pessoa; estamos num estado de vida suspensa em que a outra é a máquina que nos ventila os pulmões.
Tudo isto é horrível. É exactamente o contrário de completo que se propala quando deste assunto ouvimos falar. Não é?
Não, não é.

O Amor é a história da negação.
Somos mais felizes porque outra pessoa está mais feliz; se estamos suspensos na ausência, o dia é banhado de cor e o azul desbotado passa a turquesa; não queremos mais nada mas daquilo queremos tudo.
Mas eu não faço nada para ficares contente. Eu só não gosto quando estás triste e prefiro quando estás contente. Pois. Alegria e dor partilhada.
Dei por mim a querer que a segunda-feira chegue e eu detesto segundas-feiras. Pois, há quem apresse a passada e não pare para comprar cigarros.

Coisas pequenas, ouço-vos dizer. 
Têm razão. São pequenas. São, até, insignificantes...mas esquecendo que a vida é um amontoado de insignificâncias e não de momentos decisivos, esquecendo que as insignificâncias são muito mais o todo que a parte, digo-vos que estes nadas são o que interessa mais e mais revela o quanto vos querem ou o quanto significam para quem quer que seja.
É o telefonema à terça-feira porque sim e não o de aniversário. Há uma terça-feira todas as semanas, o que a torna mais vulgar, e um aniversário por ano, o que o torna mais raro mas é na ausência de importância que se encontra aquilo a que se dá valor. Não digo isto em termos absolutos, digo-o neste sentido: uma pessoa não se esquece de respirar e isto acontece todos os segundos.

O Amor é a história da negação.
Se forem daquele tipo de pessoas que precisa de controlar tudo e compreender tudo o que rodeia para conseguir apertar os calor à realidade, compreenderão que não há descontos de tempo. Não se pára de se ser porque, neste momento, se não quer. 
Quando, ostensivamente, uma pessoa destas se desliga da realidade, ainda que por apenas 1 hora - que é todo o tempo do mundo - está a negar-se. Pode, depois, detestar-se, mas não se arrepende porque mesmo este assombro de insanidade foi alimentada e podia ter sido diferente,

O Amor é a história da negação.
Se forem daquelas pessoas que têm uma clara visão do certo e do errado (vamos esquecer ambiguidades e cingir-nos ao certo e errado social, para facilitar), compreendem que há coisas que não se fazem. Coisas que se ultrapassadas não são meramente desagradáveis mas propensas e estragar a ideia de decência que se tem.
Quando, ostensivamente, uma pessoa destas se desliga da realidade, o mais que pode, ainda que apenas por 1 hora - que é todo o tempo do mundo - está a negar-se. Pode, depois, detestar-se, mas não se arrepende porque mesmo este assombro de insanidade foi alimentada e podia ter sido diferente.

O Amor é a história da negação.
Uma barragem, como uma corrente de aço, é uma obra de construção forte que se demora dar forma mas quando se consegue parece perene. É para isso que se fez tanto uma coisa como outra, para, potencialmente, durar para sempre. Não convém a barragem ruir nem a corrente partir.
O que acontece, contudo, é que naquela altura pensa-se que tudo é para sempre sem saber que o para sempre, sempre acaba.
Ontem não se imaginava que isto acontecesse, aconteceu; ontem não se imaginava que aquilo se dissesse, disse-se; ontem não se imaginava que o que rodeava era uma ilusão, hoje sabe-se.

Quero com isto dizer que o Amor não é para sempre?
Não. Quero dizer que acredito, piamente, que nem sempre o pra sempre, sempre acaba. Quero dizer que tudo é possível, mesmo quando tudo aponta para o seu contrário. Quero dizer que o pra sempre, nunca acaba quando se nos apresenta como devia.
Pode nunca acontecer, pode nunca se encontrar mas ele existe.

Pois, mas por que estás sozinho? Porque, ainda que seja um lugar comum do tipo que detesto, porque ainda não aconteceu, mesmo quando achei que ia acontecer. A minha crença não mudou, acredito no mesmo, o que devo é ter estado enganado antes...e nada garante que não me engane outra vez e outra vez e outra vez e outra vez e, tendencialmente, para sempre; o que não vai acontecer é deixar de procurar o que quero e não vou aceitar menos porque já sei o que é muito mas ainda preciso de saber o que é o tudo.

Isto tudo são, para mim, evidências.
Agora, entraremos naquilo que podem ser particularidades.

Ouve-se, dos mesmos politicamente correctos, que o Amor é liberdade e cada um é cada qual. Não é.
Voltando à brasilidade, que nestas coisas nos é amplamente superior, quem ama cuida e quem cuida não deixa solto.

Podem todos vocês, cientes da vossa independência e personalidade do século XXI, revirar os olhos mas Amor é posse. É o és minha e eu sou teu e não o vivemos isto juntos mas somos independentes.
Não, não somos.
Não és independente se a tua alegria depende de outra pessoa. És sozinho.
Não és independente se a tua incomodidade é ultrapassada pela comodidade de outra pessoa. És sozinho.
Não és independente se temes que os teus actos afectem a outra pessoa. És sozinho.
Não és independente se preferes que te façam mal a ti que a outra pessoa. És sozinho.

É uma posse consentida. Não te obrigam ao que quer que seja, não queres diferente porque não consegues diferente. 
És minha e eu sou teu, e ambos são pronomes possessivos porque pronomes vamos ser o que der sem nos incomodar muito e cada um é cada qual não existem.

Com tudo isto, não sei dizer se, em geral - em particular saberia mas não me apetece - somos mais fortes ou mais fracos quando atacados pelo vírus mas sei que, durante algum tempo, pelo menos, somos mais felizes e, ainda que doloroso, talvez seja melhor ser feliz durante algum tempo do que não saber o que isso é.

És minha e eu sou teu.
Não um bocado. Toda. Todo.

Não sei quantos de vocês, se forem realmente sinceros, alguma vez sentiram todo o corpo e alma de alguém clamar o vosso nome.
Eu tive essa sorte ou esse azar. É essa sorte que me faz saber o que encontro e o que tenho e é esse azar que me faz saber o que encontro e o que tenho.
Ouçam esse tipo de chamamento e vejam como conseguem fugir dele. Até porque para ouvir esse chamamento não basta que ele exista, só o conseguem ouvir se o quiserem porque, caso contrário, não é mais que ruído.

Agora, entremos, por muito pouco tempo, em particularidades ainda maiores.

Eu sou batido nesta coisa de pessoas e sentimentos. Não os alimento, na verdade fujo deles, mas como pessoas me interessam sempre tive muita atenção ao que fazem, ainda que não ao que dizem. E este é o ponto: não ao que dizem.

A maioria das vezes, permito que quem gosto se sinta bem nem que para isso renegue o que existe pelo que pensa existir mas não o consigo fazer quando discordo do resultado que daí virá.
Nem sempre forço a que as coisas sejam ditas para as ouvir, ainda que, por ser humano e, por isso, fraco, também o faça; a maioria das vezes as coisas precisam de ser ditas para que quem as diz as entenda e as veja.
Não sei que mais dizer. Não sei o que isto é. Não sei explicar. Sabes. Não queres e isso não é aceitável porque não se jogam banalidades, não se entrou na loja, de repente, para comprar arroz, arroz que existe em todas as lojas. Vieste à porta desta e nesta há o que quase não se encontra. Podes não querer comprar, podes decidir não entrar, podes preferir produtos brancos mas o que não podes é não saber o que aqui há; o que não podes é não saber ou dizer não saber o que não vais comprar.

...e acabando mais ou menos como se começou, porque tenho cenas para fazer:
Só não poderá falar assim do meu amor
este é o maior que você pode encontrar.
Você, com a sua música esqueceu do principal, 
que no peito dos desafinados,
no fundo do peito, bate calado.
Que no peito dos desafinados também bate um coração.

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