Thursday, July 28, 2016

Abstracções e a Kim Kardashian

(mais umas linhas em que vou parecer o abraçador de árvores que não sou e em que vou terminar com vontade de me dar um carolo)

Li não sei onde que a Kim Kardashian cobra 600.000,00 para uma aparição de 1 hora num qualquer evento, valor que não contempla as despesas de viagem e a segurança exigida. Despesas que correm, também, por conta de quem a contrata.
Quando contei isto - com ar de nojo - pensou-se que estava a criticar a Kim.
Não estava.
A burra não é ela, são os outros.
Os outros é que dão tamanha importância a quem faz coisa nenhuma. Ela só alimenta, em benefício próprio.
Palmas para a Kim.

Ah, eu gostava de conhecer o Cristiano Ronaldo, ouvi há algum tempo.
Excluindo o facto de querer conhecê-lo para o malhar (há gostos para tudo...), é-me impossível entender porquê...
É um incrível jogador de futebol, o que faz sem falar, e, das entrevistas que vi, pouco ou nada mais que isso.
Presumo que o único motivo que há para o querer conhecer é o mesmo que leva alguém a pagar 600.000,00 à Kim: É famoso.
Que contributo tem o CR para a minha vida ou para quem quer que seja, além dos que ganham dinheiro com ele? Nenhum, não é?

Sublinho: não critico, de forma alguma, tanto a Kim como o CR, por ganharem o que ganham ou fazerem o que fazem. Limitam-se a beneficiar de uma sociedade que vive em likes e soundbites, uma sociedade que se esquece o que interessa por oposição ao que parece interessar.

....e daqui pulei para a Abstracção.

Coisas como a especulação financeira fazem parecer existir o que, realmente, não existe.
A Nintendo, aparentemente, subiu a sua cotação em 50% com o Pokemon Go, o que significa, em tese, que aumentou o seu valor em igual medida.
Este caso não é dos mais gritantes porque, realmente, aconteceu alguma coisa mas é impossível aferir o impacto do jogo...muito menos em 50% do valor de uma empresa;
Podemos procurar e encontrar empresas com variações diárias significativas de valor sem que absolutamente nada aconteça.
É possível e real que uma empresa de calçado veja a sua cotação subir uns quantos por cento sem que nem a sua produção nem o seu lucro conheçam o espelho disso.

É abstracto. Quem compra não vai ver, acha que vai acontecer e este achar sai muito caro, quando corre mal, porque é criar valor do ar; quando se quer converter o valor em algo palpável ele pura e simplesmente não existe.
Os crash bolsistas são, em geral, isso mesmo.

O que leva a que uma garrafa de Dom P custe 200,00€? O que leva a que uns Manolos custem 1.000,00€? O que leva a que um diamante custe 5.000.000,00€?
Nada. Além do valor imaginado que lhe é atribuído pelo mercado. 
O valor real de uma garrafa de champagne, de uns sapatos ou de um diamante é obvia e claramente inferior porque nenhum dos artigos descritos são necessários (sapatos como os que descrevi, claro).

Mas é o Dom P, o Manolo ou o diamante que trazem os likes, likes de gente que não conhecemos e que nem queremos conhecer; gente que nada é na nossa vida; gente que desliza de um lado para o outro sem prestar atenção a nada.

...mas isto, para mim, é uma luta...

Eu bebo e gosto de Dom P (ainda que não tenha prazer em fazê-lo em público) e de Manolos, ainda que menos de diamantes.
Eu - de entre quem me rodeia e sonha com todas estas merdas que não dizem nada - é que conheço os restaurantes chiques e os sapatos de gama alta e o caviar verdadeiro e os jipes feitos por encomenda e os fatos de Saville Row...

Porque estes meus gostos são privados, imagino muitas vezes que são mais reais do que os dos outros.
O meu asco pela partilha inócua do que quer que seja faz-me sentir que é um gosto adquirido e sofisticado e não uma moda que provém do que é publicitado pelas estrelas.

E, talvez, por falta de modéstia não me considero errado nas apreciações tecidas nos dois parágrafos anteriores...mas não deixo de me sentir parvo.
E parvo porque também esta minha construção é uma abstracção. As coisas descritas até podem ser por mim melhor apreciadas e apreciadas pelos motivos certos mas, independentemente de tudo isso, despindo o argumentário, continuamos a ter supérfluo.

Ah, tu achas estúpido gastar 200,00€ numa garrafa de champagne porque não ganhas mais dinheiro! disseram-me.
O problema é exactamente esse e é isso que desapareceu da mente das pessoas: Não é uma questão de quanto se tem nem de comparação nem de utilidade marginal! 200,00€ por uma garrafa do que quer que seja é um absurdo injustificável! Infelizmente, toma-se a possibilidade de adquirir como a vontade de ser parvo...

Enfim... eu que passo o dia com uma página com gajas boas aberta é que venho pregar cenas.
É que se foda.
Um gajo tem de se aceitar mas não tem de pensar que é perfeito.

Ps.
Na Utopia, do Mann, para desvalorizar as pedras preciosas estas eram dadas às crianças para brincar.
Ora, como em tudo o resto, as crianças crescem e, neste caso, quando cresceram, deixaram de querer pedras preciosas por serem pueris.
Tem graça, não tem?

Ps1.
Porque sou um gajo à frente:

0 Comments:

Post a Comment

<< Home