Friday, September 07, 2018

Desigualdade

Ontem, estive a ver a entrevista que o Herman José deu na RTP a um gajo cujo nome me escapa mas que nem considero mau entrevistador.
Deu-se que aconteceu ao entrevistador o que acontece aos entrevistadores que entrevistam o Herman José: estão fora de pé.

O Herman José é um gajo que aprecio.
Provavelmente o mais avant garde dos humoristas nacionais nos 90s e que apesar de ter perdido algum fulgor nunca se tornou irrelevante. 
A dificuldade de não se tornar irrelevante em Portugal é maior do que em outros países. Nós somos poucos e, por isso, cansámos mais depressa o público; não há gente para ir redescobrindo o que se faz...são sempre a mesma meia dúzia, e o Herman consegue por ser portador de uma inteligência e cultura superiores.
Pode não ser superior em termos absolutos - ainda que ache que o é - mas é obviamente superior à média.

Há, no humor dele, algo que aprecio em quase todas as formas de arte: é suficientemente simples para ser apreendido pela massa e suficientemente sofisticado para ser apreendido por quem anda mais nas franjas.
É muito difícil fazer isto. Mesmo muito difícil.

No caso da entrevista, o gajo que fazia perguntas andava meio perdido.
A dada altura, quando o assunto era a Cristina Ferreira o Herman disse que achava que ela ia morrer sem ser aceite pela elite; o entrevistador disse, atabalhoadamente, que isso resultada de ela ser provinciana da Malveira.
Estava errado mas não sabia. O Herman, diplomaticamente e nada sobranceiro disse-lhe que não era bem isso...e nem de linhagem (o que seria a pergunta seguinte, como bem previu e se tornava óbvio).
Para não ser demasiado agressivo com a Cristina Ferreira e nem como o entrevistador disse-lhe: eu sou de classe média mas andei no colégio alemão, onde andavam os verdadeiramente ricos. Então, mesmo sem ter dinheiro, aprendi os códigos e a forma como se comportam; como sentar à mesa, como pegar nos talheres e por aí fora.

Isto é óbvio e muito interessante.
Eu era - ou sou - de classe média baixa e tive a mesma experiência.
Quando fui exposto ao ricos usava meias brancas e isso foi um problema.
Sofri uma aculturação que ainda hoje é óbvia. Naquele momento, foi uma transformação.
Aprendi de indumentária, de comportamento e de educação.
Nunca fui e não sou um par mas estou completamente à vontade no meio da elite. Não destoo a menos que queira destoar, o que é a mesmíssima coisa.

A Cristina Ferreira não teve nem tem isto.
A Cristina Ferreira é a Feira que mantém ao largo a elite. E isso nem é uma coisa má. Só se torna uma coisa má se ela quiser ser aceite num lugar onde não pertence e, verdade seja dita, que não precisa.

Há uns tempos, estava a falar com Ela e disse-lhe:
É muito engraçado. A Cristina Ferreira pode andar coberta de Gucci o resto da vida que vai sempre parecer que a roupa lhe foi emprestada pela patroa.

Não é por ser da Malveira.
Talvez seja porque nunca conseguiu sair de lá.

Isto é um assunto muitíssimo interessante mas não disponho de mais tempo.

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