Saturday, March 21, 2015

CENAS

A última Citação

Apanhei mais um livro do Paul Theroux, o meu escritor de viagens favorito e de quem já me fartei de falar por aqui e a citação do Thoreau veio de lá. Podia ter dito que resultou da minha leitura de Thoreau - que já aconteceu, diga-se - e seria muito mais impactante porque é tido como muito melhor que o Theroux mas...

Bem,
o que me aproxima do Theroux é o facto de viajar e falar das viagens da mesma forma que eu as entendo. Os edifícios podem ser bonitos e importantes mas um país é a soma das suas pessoas. Aprendi isso à minha custa. Quando deixei os charters e os hotéis em troca dos botecos e das ruas e dos bares.
Mas a citação: quando fiz a minha primeira viagem decente fui para uma aldeia no fim do mundo e fui sem motivo especial. Ainda era demasiado inexperiente e ignorante para entender que devia saber alguma coisa do lugar para onde vou mas, em boa verdade, naquela altura se quisesse aprender alguma coisa antes de ir iria aprender as coisas erradas e não as que descobri entretanto.

Quando estava na praia conheci um gajo que tinha dois cavalos (ou mulas, não tenho a certeza) com ar de quem iam cair para o lado à próxima barafada de vento; porque desconfiava que não me aguentassem, apesar da insistência, declinei montá-los mas ofereci cerveja e as outras cenas que tinha ao Simplício e ele ficou por lá, porque nem turistas havia, além de mim.
Este gajo fazia 2 horas de caminho para chegar à praia com os animais e vinha a pé para não os cansar; as mais das vezes, voltava como chegava, sem nada. A mulher fazia uma biscatada e tinham uma vida boa que eu entendi como miserável.

O que acontecia, contudo, era o seguinte: não sabia nem lhe interessava como andava a Nasdaq, não sabia nem lhe interessava qual o novo modelo da Mercedes, não sabia nem lhe interessava qual a cor predominante da próxima Primavera-Verão, não sabia nem lhe interessava se o Madoff existia.
A vida dele era miserável mas a sua mente, pouco instruída e pouco sofisticada, não perdia tempo com banalidades e, grosso modo, as banalidades não o afectavam de forma nenhuma.

O Thoreau foi citado em circunstâncias similares, pelo Theroux. Foi mais ou menos neste contexto mas em local geográfico diferente.
O Thoreau diz-me menos em termos conceptuais. Ele bazou, mesmo, e recusou pagar impostos. Um dos livros dele consiste e explicar, em termos mesmo económicos, como se pode viver com pouco e ter uma vida decente, no meio da floresta. Eu, para isto, não dou.
Em termos de personalidade, diz-me mais. Achou que era assim que devia ser e em vez de propagandear foi fazer. Told you, bitches! é-me mais natural do que maçãs biológicas.

Voltando ao Simplício:
eu não queria ser como ele nem viver como ele vive. Não tinha inveja. Estou demasiado metido nisto onde nasci para entender a simplicidade como suficiente.
Uma coisa vos digo, ainda assim: eu não ligo a coisas. Não interessa o meu carro, desde que não parta, nem a marca das minhas T-shirts. Infelizmente, água potável ainda é muito importante para mim, assim como uma casa de banho não partilhada pela comunidade.

Agora... que pensar que o mundo que nos vendem como importante não existe e não me afecta é uma fantasia que muito me agrada.

DORMIR COM O INIMIGO

Não é o filme da Julia Roberts nem, sequer, um mais recente com a J.LO (props para a J.Lo seguido de um suspiro e alguma intumescência). É uma alusão à pessoa com quem se dorme em qualquer lado para onde se vá e que não se consegue deixar noutro lado: o próprio.

É verdade que a estória de sermos o nosso maior inimigo é um bocado parvo e exagerado, como acontece em tudo que se assemelhr a auto-ajuda. Foi uma frase que se cunhou não sei onde e que faz o emissor sentir-se demasiado importante porque, afinal, se eu for o meu pior inimigo os outros serão sempre de somenos.
Ora, se fosse verdade, a necessidade de ser aceite, de se conformar, de se contentar, de ser admirado, de ser temido, de ser elogiado, de ser abraçado e tudo o resto seria muito menor do que é. Se quem nos pode fazer pior formos nós, os restantes interessam menos, mesmo quando interessam muito.
Como acontece com uma frequência maior que o inspirar, muita gente não faz ideia do que diz.

Não sei se poderei dizer, com plena certeza e sem dúvidas, que sou o meu maior inimigo. É-me difícil assumi-lo pelos motivos contrários aos descritos anteriormente. Se só eu interesso os outros não me podem ajudar.

A realidade, por sua vez, acha mesmo que eu sou o meu maior inimigo.

O meu mundo gira em torna daquilo que acredito conseguir fazer e de fazer aquilo em que acredito. Numa palavra: Confiança.
Como já por aqui disse, não passei a fazer exercício com alguma violência porque a minha saúde pediu mas antes porque a minha cabeça depende da imagem que tem de si e a imagem de um gajo finguelinhas não se adequa. A imagem de um gajo que pode ser ameaçado e temer responder não é aceite. Então, K, temos de começar a encher porque ossos não vão resolver os nossos problemas! E foi isso que fiz.

Presumindo que alguns de vocês pensam em músculo e na minha necessidade de os ter em volume como uma coisa de gajo violento, passarei a explicar que isso não é necessariamente verdade. Sem esconder que a questão física existe, como a Teoria do Caos, tudo está ligado.
O tom de voz com que trato as pessoas, a confiança no meu trabalho, a decisão no momento em que é preciso decidir, o confrontar quando me parece que é o que se deve fazer e a capacidade de fazer por quem merece o que deve ser feito depende de tudo. Incluindo os meus músculos.
Não é possível fechar, de forma heremética, os compartimentos. Isto funciona por vasos comunicantes: a minha cabeça avisa o meu corpo que tudo está operacional e que estamos prontos. Nós somos isto, podes estar descansado! Vamos em frente que estás seguro!

Há uns anos, um amigo meu disse-me assim: Pá...comecei a fazer jiu-jitsu porque quando deixámos de jogar (insert desporto) passei a não conseguir encostar a cabeça a ninguém... agora, tenho de bater porque tenho medo de apanhar.
Percebi-o muito bem. A confiança estava a esbater-se e gajos como nós vivem mal com isso.

Onde entra a história do inimigo?
É a mesmíssima coisa mas ao contrário.
A crença que tenho em mim impede que as outras pessoas me façam crer em coisa diferente. Então, é bastante admirável a capacidade de resistência que daí resulta; é bonito de ver o momento em que vêm tirar lã e saem tosquiados; fica bem na foto saber que mais do que dizer que faço, faço o que digo.

Quando a coisa vira, é um buraco de fundo desconhecido.
Quando me desiludo é como sentir os cavaleiros do apocalipse entrarem-me a galopar no peito. As luzes apagam, o ar é sugado, o chão abre-se, o céu desaba e a peste instala-se (fome não há porque não tenho vontade de comer).

Em momentos destes, há dois tipos de pessoas que sofrem, eu e quem gosta de mim.
Eu porque entro em letargia, que é o equivalente a morte lenta porque sou pouco dado a contemplar de costas no chão;
Quem gosta de mim porque sente que não me pode ajudar.

Num momento particularmente desagradável da minha vida - a que me refiro expressamente porque passou, ainda que não totalmente - fiquei fechado, às escuras, durante uma semana. Sempre que saía do quarto fechavam-se todas as janelas porque não queria luz.
Neste momento, quem gostava de mim passou muito mal mas nunca me disse. Limitava-se a fechar as janelas e, de quando em vez, a perguntar se estava tudo bem mesmo sabendo que a resposta seria, como foi, sempre Tudo.
Não desejo que me vejam nem convivam comigo nestes momentos; só faço mal e há pessoas que não merecem.
Sobre o porquê de isto ter acontecido, não direi nada. Primeiro porque não me apetece e Segundo porque não foi uma coisa que se possa entender de fora. Nada de particularmente grave aconteceu, visto de fora, mas eu não me reconheci e isso não é suportável.

Por isso, quando se quiserem engrandecer dizendo eu sou o meu pior inimigo, lembrem-se que não é tão glamoroso como parece e não vos faz particularmente fortes. Faz-vos reféns de quem não se conseguem desenvencilhar.

DO ROTO PARA O DESCOSIDO

Por estes dias, uma pessoa andava com dores nas costelas. Disse-me sabes, K, ando há dois dias com uma dor aqui...não me lembro de ter batido em nada...
Respondi: e dizes agora!? Bora para o hospital!.
Não, vamos dar mais 1 dia ou 2 e ver se passa.
Não há dia nem 2. Vamos agora.

E fomos. Não se me diz não quando fico preocupado.

K, tens de ver o que é isso que tens na cabeça.
Nã...não é nada. Tenho isto há anos.

E não fomos. Não se me manda fazer o que não quero.

Petit K, é preciso ires fazer análises. Já não fazes há muito tempo.
Não é preciso. Fiz há 2 anos.
(Eu) Fizeste há 2 anos? Vai marcar isso para a semana. 2 anos é muito tempo!
Ok.

E foi. Não lhe apeteceu sofrer o mau feitio que daí advinha.

Isto pode parecer uma história de prepotência e autoritarismo e, para ser honesto, de vez em quando também acho que pode ser. E faço-o porque apesar de dedicar muito tempo a entender por que faço as coisas que faço admito a minha finitude e os meus eventuais ângulos mortos.
O que esta história, para mim, revela é uma outra coisa: eu não me importo de afrontar, pressionar, deixar fodidas as pessoas com quem me preocupo se achar que os problemas que isso ME causa são inferiores aos que LHES podem causar.

A dúvida que subsiste, na minha cabeça, quanto à explicação que dei em contraposição ao que parece é que apesar de achar que sou capaz de altruísmo não me vejo como altruísta. O que é esquisito porque quando olho à volta, nas coisas que realmente contam, pareço-me menos egoísta do que aquilo que julgo realmente ser ou, então, o meu padrão de egoísta é demasiado baixo.

(só para que conste e para que não me julguem a Madre Teresa: esta gente com quem me preocupo é um número muito reduzido porque não tenho capacidade para distribuir isto por muita gente e nem gosto de tanta gente assim.
Ao resto, e uma vez mais para que não me entendam por aquilo que não sou, quero bem que me deixem em paz e se não me deixarem em paz quero bem que se fodam.

Um filho da puta vivo continua a ser filho da puta depois de morto;
Quem faz mal merece apanhar até doerem as mãos a quem bate;
Um idiota que me tenta atacar receberá resposta em género.

Não dou a outra face.)

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