A Ordem no Caos
Lembrei-me disto por causa das primeiras páginas do Ano do Pensamento Mágico da Joan Didion (ainda não o estou a ler mas precisei do que me distraísse por uns momentos e estava à mão).
Parece-me que o livro andará todo à volta da normalidade com que a anormalidade acontecer; ou seja: tudo é normal e não extraordinário até acontecer alguma coisa.
No caso da Joan, o jantar que acaba com o marido a morrer de ataque cardíaco à mesa.
...e toda a gente anda à procura de um significado.
Antes dos aviões baterem nas Torres estava a ser um dia normal, certo?
Então,
esta busca de justificação ou de sentido é o pão que alimenta as religiões e não interessa a qual me refiro porque alimenta todas.
O meu melhor amigo é, hoje, um gajo muito diferente daquilo que era há 20 anos.
As pessoas que agora o conheçam não o imaginam como era;
As pessoas que agora contactam com ele não se acreditam ser o mesmo gajo que conheceram antes.
Não chamarei estúpidas a nenhum destes grupos de gente mas a verdade é que ficam na rama e não entendem, realmente, o que aconteceu.
Este gajo está, de facto, diferente ou, até, muito diferente mas é, no fundo, o mesmo gajo.
Há 20 anos era uma das poucas pessoas que conhecia que ia à missa todas as semanas e usava um crucifixo ao pescoço.
Ele, agora, entende a Igreja Católica como aquilo que de facto é e percebe os problemas que eu tinha - e ainda tenho - com o culto organizado.
Mas ele, agora, é budista.
A mentalidade dele sofreu uma mutação e o seu comportamento acompanhou mas ele é um tão fervoroso budista como era católico.
Percebem?
Ele precisava e ainda precisa de um sentido para se agarrar.
É verdade que o budismo aceita muito melhor as falhas e as incongruências que o catolicismo e é muito mais inclusivo e libertino mas, tal como o catolicismo, tem um devir superior que coordena a cena.
Este meu amigo - que muito aprecio - não mudou aquilo que fundamentalmente o caracteriza; este meu amigo mudou, brusca e intensamente, de direcção mas o destino é o mesmo.
Poderia dar muitos exemplos daquilo que estou a defender mas apenas me referirei a isto: até ao momento em que me puseram em coma induzido e acordei entubado, apenas tinha a garganta um bocado inflamada.
O traumático não vai em crescendo como o pathos na literatura. O traumático é um acontecimento normal que só tem significado subjectivamente para quem o sofre porque para todas as outras pessoas no Mundo o dia continua a ser normal.
...e eu também sofro com estas coisas.
Um dia talvez seja bravo suficiente para encarar o ateísmo como realidade mas ainda não sou e ainda não estou certo que seja.
Nesta altura, provavelmente por uma questão judaico-cristã, digamos que estou com o Pelágio da Bretanha e, por isso, vamos satisfazer-nos em considerar-me herege.
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