Thursday, September 24, 2020

LIVROS EM PARTES

 I

Os meus pais achavam que eu gostava de ler. Talvez até fosse ou seja verdade mas a impressão que tenho é que a medida que me era aplicada era a deles e eles nunca leram um livro (posso estar a exagerar mas é certo como a chuva que não leram 05 entre eles).

Este foi, muitos anos depois, um dos factores que identifiquei na diferença entre ricos e pobres: a cultura que fosse acima do Herman José e do Twist and Shout era desconhecida em minha casa.

Eu sei, eu sei: dinheiro não é sinónimo de cultura, K! mas dá-se que é um bocado...

Reparem: o pessoal só se pôde dar a luxo de inventar merdas a sério e ter hobbies e, até, ócio quando (simplificando muito!) começou a agricultura intensiva porque, até lá, a ocupação única era a próxima refeição e quando se anda constatemente à caça não se tem tempo para mais nada.

Não nascemos todos iguais, é uma evidência, por mais que nos vendam o contrário.

Poderia ter conhecido, por exemplo, Camus muito mais cedo e tê-lo entendido mais cedo mas não aconteceu não só por desinteresse mas porque não podia saber o que não sabia existir.


II

Depois, quando os livros em si me começaram a ser apresentados eram de leitura obrigatória. E que adolescente quer fazer alguma coisa que lhe mandem?!

Então, por má vontade, rebeldia ou azar, não li um único livro completo durante, talvez, uma década.

Além do que escrevi, diga-se que de toda a literatura obrigatória a única que me interessou foi A Aparição, do Vergílio Ferreira. Toda a outra, dos mestres, nunca me interessou e achei chata. Ainda hoje, quando ouço Maias, mesmo que a pessoa se refira às flores, sinto suores frios.

...a isto acresce a soberba que, entretanto, a idade erodiu mas não fez desaparecer: as minhas notas era mais do que óptimas, Português mais do que incluido, apesar de não ler uma página seguida.

Não preciso disso...continuo a ser muito mais esperto do que vocês!

Mais do que provavelmente foi uma estupidez achar isto mas os factos corroboravam a afirmação.


III

Os livros, em força, surgiram numa má fase pessoal que não desejo reviver nunca mais mas que me fez muito mais mal do que bem. O que eu achava do Mundo mudou e o que eu queria do Mundo também mas isto, em concreto, nada tem que ver com os livros.

Ainda que não me considere uma pessoa activa, nunca me dei bem com demasiado tempo entre mãos.

Desporto durante muito tempo (federado, sempre, e alta competição também); vida social (vulgo gajas) durante outro; profissão ainda até agora; isto é comum a todos nós mas o que, normalmente, me distingue é que eu fazia muito de todas estas coisas e nunca com moderação.

Nesta fase a que me refiro, tudo foi substituído por livros. Passei a ler como um verdadeiro animal. Lembro-me, por exemplo, de ler a biografia do Seteve Jobs, pelo Walter Isaacson numa noite sem dormir.

Ganhei-lhe o gosto...

Descobri várias coisas mas, se calhar, a mais relevante e marcante foi que nem todos os livros são chatos e não se é obrigado a gostar de tudo; não é um falhanço nem uma vergonha - para mim, claro! - não apreciar autores que outros acham uns génio e nem desistir de um livro ao fim de 10 páginas. Isto foi revolucionário!

Outra coisa muito relevante foi que descobri que gostava de saber cenas e não apenas especular sobre cenas.

A minha formação académica e profissional tem muito de sofista e, por isso, a minha tendência natural era a de não estar particularmente interessado em factos mas mais em interpretações de factos ou talvez nem isso.

Nesta fase e volvidos uma enormidade de livros, passei a achar graça a saber e não apenas e ter opiniões...porque as melhores opiniões são baseadas em conhecimento e em factos, uma evidência que se me escapuliu durante décadas!

Este gosto não mais me largou e a única falha que não limei por completo, ainda, é o de desistir de um livro ao fim de 10 páginas porque missão dada é missão cumprida! não é Nascimento?

Felizmente não me tornei o ex-fumador que chama estúpido ao fumador. Não passei a considerar estúpidos os que não apreciam livros. Nem sequer teço comentários.

O que acontece, de vez em quando, é dizerem-me não gosto de ler quando estou com um livro nas mãos (o que é muito frequente porque faz parte do meu almoço diariamente) e eu responder ainda não encontraste um que te interesse e estou firmemente convicto disto.


IV

A esmagadora maioria dos livros que li vieram de uma biblioteca pública (se ganhasse o Euromilhões era bem capaz de fazer uma numa terriola que a não tivesse) e os motivos, como os entendia e transmitia quando me perguntavam, eram os seguintes:

1. não me vai pesar na consciência e nem no bolso se decidir desistir do livro;

2. eu nunca leio um livro mais do que uma vez.

Ambos os argumentos eram e ainda são válidos. Acredito neles agora como acreditava na altura.

Por uma questão de personalidade, não sublinho livros e muito raramente decoro autores e, sequer, títulos. Chega-me saber coisas e retirar ideias porque não penso em fazer nenhum exame a respeito. Por exemplo, acabei de dizer que não leio um livro mais do que uma vez mas não é absolutamente certo: já dei por mim e ler coisas que já sabia e encadeamentos que me eram completamente familiares...o que indicia que era capaz de estar a ler o mesmo livro uma outra vez.

...dá-se que ando a comprar livros.

Felizmente, não me tenho enganado quanto ao interesse do que compro (sendo certo que uns são muito mais interessantes que outros) mas não tenciono ler nenhum mais do que uma vez.

Então, pra quê comprar?

Numa primeira fase e muito a miúde, comprava livros cujo volume não me iria permitir lê-los no prazo concedido pela biblioteca. Também por causa do prazo, comprava livros quando ia viajar.

Numa segunda fase e também a miúde, comprava o que a biblioteca não tinha mas dava-me ao trabalho de ir à net ver o inventário para saber se existia ou não (e ficava desolado, de vez em quando, quando existia....).

O COVID veio foder tudo! Confinado, comecei a comprar bem mais e não perdi o hábito. Não ponho os pés na biblioteca desde não sei mesmo quando...

...e agora, voltando ao ponto I, não quero que a minha filha cresça numa casa sem livros.

V

E, em contradição, Autores:

Todo este post é um bocado porque estou a acar o Viagens com Charley do Steinbeck porque estou muito contente com ele...muito. Porque não leio na língua original, sinto-me sempre meio na ignorância quanto à apreciação ao autor por consideração com o tradutor mas, ainda assim, Steinbeck é do caralho.

Theroux terá sempre um lugar especial na minha prateleira por ter sido a primeira vez que li sobre viagens como eu entendo serem as viagens. Antes, só ouvia e lia sobre turismo como sendo viajar e nunca achei que o fosse.

Damásio porque acho absolutamente genial escrever sobre neurociência de uma maneira que se consiga ler e entender (e é fascinante) porque se fica a saber muito mais sobre como as pessoas funcionam e o fundamento desse funcionamento.

Kissinger porque gosto de realidade sem desculpas. Posso não concordar com actos e até com ideologias mas a realidade vence sempre! E Kissinger é sempre realidade e, especialmente, fundamentada e experimentada.

Vou voltar ao Steinbeck, agora, e, mais logo, ver qual o próximo dele que vou comprar.

 



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