Toque
Um certo dia num certo lugar numa hora incerta o tempo fechou-se e fez a vontade a quem não o queria para nada.
Era uma imagem do cume de um monte, um casebre com um quarto, um dia nublado, uma aragem fria, um carro pequeno, uma chegada apressada e uma partida que não se queria.
Foram dois e voltaram um, chegaram sedentos e partiram calmos, encontraram-se separados e despediram-se juntos.
Uma, séria e tensa, ciente do perigo.
Outro, calmo e despreocupado, crente na fome passageira.
O mundo dela era ordenado e de linhas previsíveis, sabiam todos os que a rodeavam que aquele rio iria levar àquele mar e que não haveria qualquer afuente que a desviasse do leito.
O mundo dele nem sequer era. Não havia um destino, não se vislumbrava um destino qualquer, apesar de se deslocar a uma velocidade alucinante.
Não os viam juntos e nem imaginavam que eles trocavam mais do que um cordeal cumprimento.
Uma vivia pelos traços que haviam sido delineados, outro saia do asfalto que lhe tinham construído e saía para a terra.
Uma era doce e amável, outro azedo e áspero.
Sempre que o outro parava para pensar o que ali se passava, a única coisa que lhe ocorria era "acidente prestes a acontecer", uma tentava acreditar que ali nem sequer se passava nada.
Uma confidenciou ao outro que muitas vezes havia pegado no telefone com a firme convicção de lhe dizer que o melhor seria parar o comboio antes que este embalasse, confidenciando-lhe depois que mal ouvia a sua voz os seus planos caíam por terra e ela não conseguia sair no apeadeiro seguinte.
Uma disse ao outro que se estremecia quando o ouvia não conseguia imaginar como iria aguentar não o ver.
O outro sentiu o comboio acelerar.
No fim das contas, ambos estavam certos, o carril não aguentava a velocidade a que o comboio se deslocava. Aliás, estavam certos ambos e o resto do planeta que, apesar de os apanhar a meio da viagem, sabiam que esta não seria longa.
Uma voltou para o leito.
Outro voltou para a terra.
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