Thursday, August 09, 2018

A Morte na Faixa Etária

Ontem tive notícia que um gajo que andou comigo na faculdade morreu de cancro. Ele era 2 anos mais velho que eu.
Daquilo que vejo à minha volta, as pessoas ficam mais impressionadas quando morre alguém da sua idade - quando ainda não velhos - e ainda mais impressionados se resulta de doença e não de um acidente imprevisto.

Devo dizer que a notícia não me abalou e, como acontece com alguma frequência, causou-me algum desconforto. Foda-se, devia ficar afectado com a notícia! pensei.
E depois, piorou:
Lembrei-me que morte do Hari Seldon no Origens da Fundação me afectou mais.
O que andou comigo na faculdade era uma pessoa e tinha virado, recentemente, os 40 anos;
O Seldon que é uma personagem fictícia, já contava uns 80 anos.

....foi uma sensação ainda mais desagradável esta constatação. Por isso tenho andado o pensar nisso.
A conclusão a que cheguei foi mais ou menos esta:

O gajo que andou comigo na faculdade eu não conhecia realmente. Não sei nada da vida dele. A minha ligação emocional é nenhuma.
A finitude dele não me chateia muito. Na realidade, porque entendo o Mundo como aleatório, a minha finitude também não me chateia por aí além. Porque não sou hipócrita, a minha finitude incomoda-me mais mas, ainda assim...a realidade manda em tudo isto.

As pessoas morrem.
É o que acontece.

O caso do Seldon...
Bem, não foi a morte do Seldon que me fez espécie até porque, não sendo eu um completo néscio, a morte ficcional não me aquece nem arrefece.
O que me faz espécie e me afectou foi o facto de ser revelado e conhecido o sentimento ou os sentimentos que o percorriam pelas horas finais. O gajo não estava plenamente satisfeito com a vida que tinha vivido ainda que também não a entendesse como uma desgraça.
O Seldon arrependia-se de imensa merda.

Isto fode-me.

Ainda que extremamente difícil e a raiar o impossível, não é inevitável em sentido puro arrependermo-nos do que fizemos ou do que não fizemos. Para isto há uma alternativa no momento em que a vida está a acontecer: fazer ou não fazer.

É certo que eu não quero morrer mas é ainda mais certo que não está ao meu alcance ser imortal.
É, porém, certo que posso viver a melhor vida que conseguir e isso é da minha exclusiva responsabilidade.

Achar que posso deixar isto aqui enterrado em arrependimento e com a ideia de que vivi outra coisa que não o que queria ter vivido preocupa-me muito.

Está ao meu alcance não ser o Seldon.
Não está ao meu alcance não ser o gajo que andou na minha faculdade e que morreu.

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