Friday, October 25, 2013

A Ignorância

É muito comum ouvir-se que a ignorância é uma benção, frase que já usei muitas vezes e que sinto como sendo verdadeira as mais das vezes.
A questão, que vi a cores há uns dias, contudo é um pouco mais complexa porque mesmo quando eu uso a frase uso-a num contexto em que não sou ignorante e que, na verdade, não o quero ser: o que realmente acontece é que, mais do que ser algo que digo da boca para fora, é um dito que reflecte que preferia não saber certas coisas (o que também não é verdade mas gostava que fosse) mas não não saber todas as coisas.
Ou seja, é um luxo mormente Ocidental. É um dizer que, em si, engloba uma sofisticação que a ignorância não permitiria.

Lembrei-me disto porque há uns dias vi uma reportagem de um gajo que foi para o Afganistão tentar entender o motivo que leva uma religião que proibe o suicídio e o assassinato de outros que praticam a mesma religião a, pretensamente, incentivar os bombistas suicidas.

Este jornalista, que deve possuir um assustador par de testículos, tansmite duas coisas que revelam, na minha opinião, o que é, realmente, a ignorância e o seu preço:

I
O jornalista vai a uma cadeia e fala com dois miúdos que forma presos quando o seu colete-bomba não rebentou (na legenda lia-se Bombista Suicida Falhado, por baixo do nome...o que seria hilariante se não fosse trágico).
Quando perguntou às crianças o motivo que as levou a tentarem rebentar-se eles responderam que estavam a lutar contra os infiéis e que o Corão os incitava a isso.
Quem eram os inimigos, perguntou-se. Não os sabiam identificar, eram-lhes apontados;
Sabiam que o Corão proíbe o suicídio, perguntou-se. Não, não sabiam.
Como não sabem que o Corão proíbe o suicídio e o assassinato de outros muçulmanos, perguntou-se. Porque não sabiam ler. Porque o que julgavam saber do Corão era transmitido pelo Imã que lhes dizia que o podiam fazer e que viveriam, depois, no Paraíso com as suas várias mãos cheias de virgens.

Estes miúdos eram isso mesmo: miúdos. Nervosos por estarem a falar para uma câmara, envergonhados com os trapos que traziam e, pasme-se, subservientes a toda a figura que tive mais meia dúzia de meses que eles.
O que tentaram fazer não é menos bárbaro. Mas não é menos bárbaro, também, aproveitar-se da profunda ignorância alheia.

II
O jornalista conseguiu marcar um encontro com um talibã. Este talibã, cujo nome não fixei, tinha estado envolvido no sequestro de funcionários da ONU no Paquistão e agora encontrava-se no Afganistão.
O jornalista perguntou-lhe se os bombistas suicidas iam continuar a aparecer e até quando e tal. A resposta, óbvia, foi que iam continuar até que os infiéis se mandassem e por aí fora (história cansativa que não me apetece repetir).
Depois, foi questionado o seguinte: O Corão proíbe o suicídio e o assassinato de outros muçulmanos. Qual é a sua interpretação do Corão quanto a isto?
Em resposta, o tipo enunciou um ditado Pashtung (vou tentar ser exacto): Quando olho para cima, vejo um tigre; quando olho para baixo, vejo um rio. O melhor é não me mexer.
E pronto.

Não, não melhor ser ignorante porque, no sítio errado, isso pode custar-nos a vida.

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