INVERSÕES
Não gosto de fazer o papel de moralista, até porque não me fica bem.
Como tenho uma costela, ou mais, anarquista e muitos problemas com autoridade (um mal que me acompanha desde sempre e que ainda não aprendi a domar) fico muito irritado quando me vejo, como se de uma ascese pobre se tratasse, a defender valores como se sofresse, já, de artrite avançada. Imagino, na minha cabeça enquanto faço algumas apreciações, que estou numa cadeira de baloiço, barba branca rarefeita (nem em imaginação a minha barba é outra coisa que não rarefeita), menos um bom número de dentes, careca e com uma pronúncia já sibilante...talvez em virtude da falta de dentes.
Hoje em dia é muito comum tecermos elogios a alguém que mais não faz que o seu trabalho de uma forma, por vezes, meramente satisfatória.
Ficamos agradecidos quando um bibliotecário se esforça por encontrar um livro que queremos e que pelos nossos meios não vislumbramos;
Ficamos encantados quanto um empregado de mesa é diligente no seu serviço e agradece o nosso negócio;
Ficamos quase espantados quanto um polícia, percebendo que estamos perdidos, se oferece por nos ajudar a encontrar o caminho.
Exemplos destes são aos milhões mas já me cansei de os elencar.
Quando é que nos habituamos a ser mal tratados para nos sentirmos quase especiais quando nos tratam com o respeito e diligência que merecemos?
Quando é que esta sociedade se tornou num martelo que não pára de nos martirizar para agradecermos o alívio que surge quando o martelo pára de trabalhar?
Quando é que descemos ao ponto em que, olhando à volta, podemos ser tentados a pensar que os otários somos nós quando seguimos os mais básicos princípios de cidadania ou educação ou respeito ou outra coisa qualquer?
Quando é que deixamos de entender como idiotas os gajos e gajas que usam chapéus dentro de portas?
(acabei de escrever isto e ouço o ranger da cadeira de baloiço)
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