Tuesday, March 09, 2021

CONFIANÇA

Poderá pensar-se que tenho trust issues e poderá pensar-se bem.

A minha perspectiva é, contudo, outra; ainda que não diametralmente oposta.

Tentando trocar por miúdos:

Se se disser que tenho dificuldade em confiar, não estarão errados mas, numa media relativa, isto não faz de mim desconfiado. Isto faz de mim realista e, eventualmente, instruído.

Por norma, aqueles que, epidermicamente, julgam o meu realismo como cinismo são menos tolerantes com a humanidade do que eu. 

Eu olho para os que me rodeiam como aquilo que são e não como aquilo que eu gostava que eles fossem. Não espero que gente que nada me deve se esforce além do razoável para me respeita e aquilo que quero e também não lhes levo a mal.

Em última análise, todos procuram sobreviver e bem estar e isso, naturalmente, é egoista. Gente como a Malala, por exemplo, são anomalias que nos dão esperança mas tratam-se de bugs e não de um sistema operativo; logo, surpreende-me que a Malala exista mas já não que o gajo que me serve um café não seja como ela.

Obviamente, muita (a esmagadora maioria) das gentes que acredita muito na humanidade e que se surpreende com a sua crueldade também não são a Malala.

E eu também não sou.

 E é por isto que, por vezes, se chama de trust issue mas não é. Não confio o meu cu na mão dos outros porque a principal preocupação dos outros é o seu próprio traseiro. E isto não é criticável.

E é por isto que não sou moralista. É por compreender a imperfeição humana e a sua fraqueza que a aceito e não a desprezo nem vilanizo.

Todo o camelo é capaz de dizer ai, lembra-te que quando apontas o dedo a alguém tens muitos mais a apontar para ti mas não entendem que o mesmo se aplica aos próprios! Bem, a menos que tenham o dom de meter uns quantos no rabo ou decepá-los. Aí é capaz de funcionar.

...mas eu sofro de trust issues e isso é um defeito que, como tudo o resto, resulta tando dos genes como do meio e do que escrevi.

Geneticamente, enganar-me é algo que nada aprecio. Admito que me engano - como o Izzy admitiu a derrota - mas dói-me muito. Eu sei que enganar-me não é o fim do Mundo, caso em que já teria acabado uma carrada de vezes, mas que parece, parece.

Quanto ao meio, a estória seria muito longa e muito dolorosa, coisas para as quais não estou virado, mas, sem gastar letras que não me apatecem, vi muito gente enganar gente que nunca mereceria ser enganada e isso nunca mais me abandonou. E a esta gente que fez o que não deveria ter feito castiguei-os e não vejo que vá deixar de os castigar algum dia.

Do que escrevi, resulta que me faz sentir muitíssimo estúpido desiludir-me quando sei muito bem como as pessoas funcionam. É muito parvo ficar-se fodido e estarrecido com um cão que ladra. É demasiado primário saber-se o que vai acontecer e espantar-se quando acontece.


...mas isto não me sai barato, o que é só mais uma manifestação de que não é por se ter lido As Origens do Totalitarismo ou O Estrangeiro que se é inteligente.

Eu sou capaz de dizer a alguém que só pode contar comigo até certo ponto, o que se dá o caso de ser verdade e aplicável a todos.

Agora, digam-me o que pensariam de alguém que vos dissesse bem, podes confiar em mim mas nunca completamente!

Pois.

Teoricamente é admirável.

Na prática é estúpido.

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