Friday, November 30, 2018

Viajar

1. É possível que soe um bocado possidónio (sa foda);
2. É provável que seja mais uma manifestação de eu não sou de cá!. Se for, é só mais uma.

As perguntas que mais me têm sido feitas são superou as expectativas?, como são as praias? e o que há para ver?.
São óbvias e comuns.
Em tese, compreendo-as. Intimamente, não as percebo.

...

Comecei a viajar em vez de ir de férias antes de compreender a diferença entre uma coisa e outra.
A primeira vez que fui para longe caí em lado nenhum. Caí num lugar onde não havia nada para ver.
Tinha praia e o clima era tropical. Não sabia mais que isto.
Acabei por chegar a uma aldeia piscatória onde havia autóctones e meia dúzia de surfistas. A noite acabava as 23hs e eu tinha 20 anos. 
Tinha previsto demorar 8 horas desde o aeroporto onde cheguei até ao lugar onde ia ficar. Demorei mais de 18.

Adorei.
Foi a melhor coisa que me aconteceu.

Depois disto, férias e atracções deixaram de me interessar mas, naquela altura, por ignorância e juventude, não conhecia ninguém que viajasse e nem literatura de viagem que reflectisse o que tinha vivido.
As pessoas que falavam ou escreviam sobre viagens mostravam tudo espectacular e os lugares incríveis onde tinham ido e a comida deliciosa que tinham encontrado e a eterna animação e alegria da viagem.
...a minha experiência não tinha sido - e nunca mais seria - nada de semelhante ao que via naquelas pessoas.
Tive momentos chatos em que tinha vontade de falar com alguém que não estava lá;
Fui a lugares horríveis onde nunca voltaria;
Senti-me em baixo quando o plano não resultou ou quando a escolha foi errada;
Comi mal alguma vezes porque não existe lugar em que não se encontre comida de merda.

E, depois, descobri o Paul Theroux, sem querer.
Descobri aquilo que, para mim, é literatura de viagem e aquilo que tentava fazer sempre que ia para qualquer lado e também o que me acontecia.

A viagem são os transportes públicos e os restaurantes onde os locais comem e as zonas onde, de facto, vivem e o aspecto das suas escolas e os atrasos e as quedas e as ruas desagradáveis e as pessoas com quem se vai falando e que não são, directa ou indirectamente, nossas empregadas no momento ou que não nos querem vender nada.

Antes de azedar, deixam-me dizer que não critico quem não quer ir fazer o mesmo que eu.
As pessoas querem fugir do seu quotidiano mas não do cultural. O que as pessoas querem é, durante uma semanita, viver num quarto que não têm e comer comida que não cozinham e parecer quem não são.
Eu também quero fugir do meu quotidiano mas mesmo para sair dele. Mesmo para conhecer o que não conheço.

..............

Depois de tantas vezes ouvir aquelas bem intencionadas perguntas começo a ficar irritado.

É-me impossível entender como pode alguém imaginar que faria 20hs de avião para ver praias e muitíssimo menos para ver edifícios ou monumentos ou merda desse tipo.
Adoro praias e a minha vaidade - e olhos verdes - adora estar morena;
Prédios dizem-me coisa nenhuma;
Museus, muito pouco;
Monumentos, quase nada.
Ah, K, seu filisteu! poderão dizer e talvez estejam certos.
Se houver um museu ou um prédio ou um monumento para ver, é provável que os visite e, até, que goste deles. Mas 20hs de avião para isso? Tenho livros e televisão e fotos.
Ah, K, mas ao vivo é outra coisa!! e é mesmo mas não é outra coisa o suficiente para me prender a minha vida inteira num caixão de metal com asas onde nem sequer posso fumar!

O que eu quero é o lugar e o que o lugar é.
E isso é cultura. 
O que há para ver?! Tudo.

A questão das expectativas é pertinente mas o problema é que eu não vou com expectativas concretas.
A única coisa que levo na bagagem é vontade de ver o que não vejo aqui e conhecer o que não conheço aqui...e essa expectativa está garantida.
Mesmo que a pergunta versasse sobre se gostei ou não, ainda assim a provável resposta seria sempre sim porque ir nunca me desilude. Não fazer desilude-me.

E agora, que azedei:
Como pode alguém ir para um hotel e achar que conheceu alguma merda?
Como pode alguém conhecer apenas os guias turísticos e os empregados e dizer que adorou as pessoas?
Como pode alguém dizer o que há para ver? quando não vai ver nada que acrescente ao que outros viram e, provavelmente, viram melhor?
Como pode alguém dizer que alguma viagem é demasiado tempo quando passa uma semana (?!) num resort?

O que a maioria dos que nos rodeiam quer não é ir mas dizer que foi.
O que interessa é o que se viu na meia dúzia de fotografias mal centradas dos lugares mais batidos e com as frases mais emblemáticas e vazias que se conseguir.
O que querem é debitar umas merdas que reputam interessantes e explicar o quão bom era o Hotel.

Aparência? Tudo.
Substância? Nada.

...mas olham para mim como um atrasado mental que não percebe o o que há para ver?
Nesta minha viagem, o que mais interessou aos outros foi a cor e tonalidade das águas. Não se enganem! Era e é impressionante. Achei incrível. Lindíssimo. Nunca estive em lugar tão naturalmente belo na minha vida.
...mas pensam que - novamente! - farei 20hs para ver outra vez a água de lá?!

Tinha mais para escrever mas cansei-me.

Monday, November 26, 2018

Segurança

Pareço impulsivo mas não sou.
Pareço ser insensível ao perigo mas não sou.
Pareço nada temer mas temo.

Avalio, constantemente, os riscos que me rodeiam e ando sempre se antenas no ar.
Por exemplo:
terei cuidado nos transportes e nas ruas por onde ando mas apanharei os transportes e andarei nas ruas. É certo que algumas terão pior aspecto mas vejo, sempre, onde está a rua principal e o tipo de comércio existente nesta artérias com pior aspecto.
Andarei de costas direitas e cabeça levantada como se conhecesse e se tiver dúvidas não as demonstrarei, parece sempre que sei o caminho, coisa que raramente acontece porque o meu sentido de orientação é péssimo.

Avalio a situação e o risco e decido se é aceitável ou não.
As mais das vezes, entendo-o como aceitável.

Ela e outras pessoas têm muito mais medo do que eu mas, depois, não entendem bem os riscos. É esquisito.

Quando em Manila, a irmã dela - e Ela também - acharam que eu deveria andar com a minha máquina fotográfica na mão, como de costume, porque estava a perder muitas fotografias.
Estavam certas mas o que se passa é que o sítio era estranho e escuro e se eu não tenho medo, em geral, também não tenho vontade de me pôr a jeito.
...e ambas têm medo da própria sombra mas atrair risco desnecessário é um conceito que não dominam.

Ainda mais ou menos no mesmo assunto, Ela perguntou-me por que não estás a tirar mais fotos a pessoas, como costumas?! ao que respondi com a crueza com que entendo o Mundo:
Repara...eu não sei o quanto posso ofender as pessoas daqui com o meu comportamento e não quero ofender ninguém. Por princípio, tento respeitar a cultura onde estou metido mas, acima de tudo, gosto de sair dos sítios vivo.
Nós estamos no fim do Mundo - Roxas, em Palawan - pelo que, correndo mal, fazem-nos desaparecer e nunca mais somos encontrados. É preciso ser respeitador e ter cuidado.

...e, diga-se, nem próximo de ameaçado me senti em lado nenhum mas tenho o máximo cuidado para não dar azo à Lei de Murphy.

Não há nada que aprecie mais do que viajar e, por isso, já o fiz algumas vezes. Já tenho alguma experiência. 
Viajar é espectacular mas pode, muito facilmente, dar merda.

Isto liga-se ao que penso da questão da emigração: eu nada tenho contra a emigração mas os emigrantes têm de se adaptar ao país para onde querem ir e não o contrário.
Se nós, europeus, não podemos andar de cara tapada na rua os emigrantes não podem usar burqa.
Se nós, europeus, não podemos desposar crianças de 12 anos os emigrantes também não o poderão fazer.

Se se quer estar em casa de alguém respeitam-se as regras. Se não forem respeitadas, deveremos ser postos porta fora.

Sunday, November 25, 2018

Regressado mas...

Voltei de 3 semanas de viagem pela Filipinas. Poderia dizer férias mas não foi isso que fiz.

É provável que volte à viagem que acabou e que fale dela mas, neste momento, não é o que me traz cá. Ainda é muito cedo e a ferida do regresso ainda está muito exposta. Será necessário aguardar que cicatrize, o que não é absolutamente certo que venha a acontecer.

Quando estive fora, não tive vontade de regressar. Não estou contente de ter regressado.
Ah, K, gostaste assim tanto das Filipinas?!
Gostei mas não o suficiente para lá querer ficar. Não foi a vontade de ficar que me fez não querer regressar. Na verdade, não foi o abandono que me chateou. O que me chateou foi não continuar para onde quer que fosse, mesmo que fosse dentro do mesmo país.
Até hoje, apenas por uma vez tive pena de sair de um lugar. Só quando estava no aeroporto do Rio de Janeiro pensei quero ficar aqui e foi, também, a única ocasião em que liguei para Portugal a tentar adiar o voo de regresso.

...mas apesar de apenas por uma vez tenha sentido vontade de ficar nunca tive vontade de regressar.

É conhecido por quem por cá vai passando que me agrada confirmar as coisas que digo.
É sabido por quem me conhece que a minha vontade mais latente é sair daqui e ir por aí.
A realidade confirmou o sentimento e afirmação. Não digo que quero ir por aí. Eu quero! ir por aí e andei feliz enquanto andava.

E isto é tão verdade que não estou a exagerar o quanto gostei das Filipinas e nem sequer fingirei que não houve momentos de tensão e lugares que apenas visitei porque pensei que seriam outra coisa.
Nem tudo correu bem. Numa viagem mesmo nem tudo corre bem. Mas ir. Ir. Ir. 
Sinto a necessidade de ver para saber e nunca me arrependi de constatar que não valerá a pena o esforço.
O erro é admissível e faz parte.
Não fazer é uma dor que não me larga.

Ela estava contente por voltar a casa e apesar de confiar no que lhe digo - porque digo sempre a verdade - viu, ao vivo e a cores, que é mesmo isto que eu queria fazer. Bater os pés na terra. Andar em transportes públicos. Comer onde comem os locais. Fugir dos pontos onde todos os turistas se encontram porque o país está noutro lado.

Nada tenho contra Portugal. Portugal é um bom lugar para se viver. O problema não é Portugal.
...o problema sou eu.
Eu quero ir. Eu quero sempre ir.

Friday, November 02, 2018

INCLUSÃO

A minha história é feita de exclusão.
É ler o que aqui anda e que reflecte a realidade como a vejo. Como a vejo mas, mais importante, como me esforço para que seja fiel ao que, de facto, existe.
E eu vejo-me excluído.
Por norma, ainda que assim não seja reconhecido, os mais de nós que se sentem excluídos rebelam-se e sofrem com isso. Apesar de ser comum dizerem que se excluíram e que se sentem orgulhosos de não pertencerem, a realidade é que foram empurrados borda fora. Não saltaram.
Este sentimento é normal. É uma forma de conforto. Evita o falhanço. É como os que preferem nunca competir porque podem perder.

O meu caso é menos comum, ou, pelo menos, assim o entendo.
Já fui social. Já fui convidado para todas as festas. Já tive uma lista telefónica com mais de 200 números. Já fui aos restaurantes mais caros - espero que, agora, possa dizer que vou aos melhores, o que não é a mesma coisa. Já apareci na televisão. Já ganhei campeonatos, tanto individual como colectivamente. 
Fiz isto e fui isto. Deixei de ser e de querer ser.
O último resquício que ainda sobra é capaz de ser o competitivo. Resquício que tento apagar mas que não consigo plenamente. Hoje, evito competição não porque tema perder - já perdi muitas vezes, ainda que o deteste de todas as formas e feitios - mas porque não gosto do gajo que sou quando estou a competir.

....e tudo isto porque fui jantar com os Vegan.

Já por aqui falei deste meu amigo. Um dos poucos amigos que tenho e, muito mais que provavelmente, o meu melhor amigo Homem.
Quando estávamos a jantar, Ela disse que tinha de ir à missa por causa dos Dia de Todos os Santos e o Vegan fez uma piada quanto a seguir a manada.

Ela, por agora ser mais sensível ao que as pessoas dizem e ao que fazem, disse-me, depois, que achava muita graça esta gente super compreensiva e livre seja crítica. E esquisito é, também, que falem em seguir a manada quando fazem o mesmo mas com uma manada diferente.
É verdade.
Ela tem razão.

Eles não são excluídos, como pensam e dizem.
Nos dias que andam a correr, eles são a regra que se está a impor.
É por causa deles que um gajo foi condenado a 16 meses de prisão por maus tratos a animais.

EU sou o que eles dizem que são.
EU não tenho manada.
EU não sigo nada nem ninguém.
...quem vive a amargura da realidade de frente sou eu.

O que eles fizeram foi trocar o Papa pelo Dalai Lama.
Poder-se-á discutir qual dos dois será melhor seguir mas o que para aqui interessa é que se segue alguém.

Ainda neste jantar, perguntei-lhe se gostaria de viver na Índia. Ou, como eles lhe chamam Mãe Índia, o lugar mais super-espectacular do Mundo.
Não, aquilo não tem condições para se viver, disse-me ele.
Até admito que isto não seja hipocrisia mas confrontando o que se diz com o que se sente...não bate uma coisa com a outra.
E o meu problema nem é o desfasamento. O meu problema é esconder o desfasamento.

Eu, por exemplo, direi a quem quiser ouvir que quero ir viver para o meio do monte mas direi, no mesmo fôlego, que precisaria SEMPRE de saneamento básico, internet e tv cabo. Se estas condições existissem, eu iria. Se estas condições não existissem, eu não iria.

....e esta estória que vos conto é um traço dominante em quase tudo com que me deparo no Mundo de que me excluí e é um dos momentos para me ter excluído.

Os outros dizem mas não se sentem forçados a cumprir as palavras.
Eu digo e sinto-me forçado a cumprir o que digo porque as palavras, para mim, só interessam como presságio ou confirmação de actos.

Estes Vegan são pela liberdade e pela compreensão...mas da forma como o Dalai e o Budha lhe diz.
Eu também sou pela liberdade e pela compreensão mas tenho de o fazer sozinho.

Quando deixei de ter um Pai - felizmente, no sentido metafórico porque ele ainda cá anda - não arranjei mais nenhum e não tenho interesse em arranjar.