Sim, haverá sempre uma parte aleatória em tudo mas essa parte é ínfima. A maioria absoluta das vezes não vemos o que não queremos, não sabemos o que não nos interessa e não fazemos o que nos custa mais do que aquilo que entendemos como razoável.
Assim, somos aquilo que fazemos e não o que queremos.
Ora, quando comecei a minha vida profissional esta perspectiva era ouro sobre azul!
Um desvio ao lardo da compaixão e da pena. Detesto pena. Mais do que pena apenas detesto a comiseração.
Ao fim de algum tempo, contudo, a coisa começou a pesar-me um pouco e depois mais alguma coisa. Não mudei a minha ideia ou crença geral...ou melhor, a minha descrença geral. O que aconteceu é que começou a ser demasiado negro, o meu dia. Demasiada miséria. Demasiados idiotas que eram os únicos culpados das suas desgraças mas que ainda assim viviam essas desgraças.
Eram idiotas, mereciam o que passavam porque não se preocupavam com coisíssima nenhuma até sentirem o garrote. Ainda assim, era demasiada miséria.
Assim, contrariamente ao que a idade e o calo da vida vai fazendo, não me habituei, causou-me, na verdade, alguma angústia.
Não me sentia culpado e nem me sinto agora, era e sou meramente o portador de más notícias; infelizmente, essas más notícias também me pesam no saco.
Isto que acabei de vos contar ninguém o verá na minha cara, no meu caminhar nem no meu respirar, à superfície tudo vai bem e continuo a ser tão ou mais eficiente a aguentar este barco que nunca viu o Cabo das Tormentas trocar o seu nome por Bojador.
O meu princípio não se alterou mas ficou um bocado mais desbotado.