Sunday, March 29, 2020
É difícil, por vezes, distinguir onde acaba a obrigação e se inicia a vontade.
Anos de observação de gente e de esforço por ver o que está lá e não o que querem que veja tornou-me naquilo que uns chamarão de cínico mas que eu chamo de realista.
Não acho que seja um gajo cínico.
A minha cabeça não é cínica.
Quando estava a ver o Babel, por exemplo, a minha cabeça não foi para caralho, um gajo vai de férias e leva um tiro mas antes para mesmo no meio daquela miséria e com um tiro, há gente que te vai querer ajudar só porque sim.
As minhas experiências de viagens não é me fez mudar a opinião. Reforçou-a.
Quando estive, agora, na Geórgia ficou-me na memória uma mulher que a avisou que tinha os cordões desapertados só para evitar que Ela tropeçasse. Esta pessoa não quis vender nada. Esta pessoa nem sequer conseguia comunicar verbalmente porque não falava inglês e nós não falamos russo e nem georgiano.
Tenho várias imagens destas.
Há anos, no Rio de Janeiro um varredor fez-me sinal com a cabeça para não seguir naquela direcção;
Tempos antes, ainda, um gajo parou o carro no meio de uma estrada deserta, no México, para nos dar boleia para a nossa aldeia porque tínhamos perdido o transporte;
Nas Filipinas, uma miúda foi levar-nos à mercearia porque nós precisávamos de comida e depois esperou para nos trazer de volta.
Ainda acho que as pessoas são inerentemente boas.
...mas acho, também, que no contexto em que nos inserimos, cosmopolita e profissional, essa bondade esconde-se nas sombras quer porque se institui que assim deveria ser quer porque é castigada quando exibida.
E, por vezes. a falta de vontade de sermos honestos impede que a bondade se manifeste ou, pelo menos, que seja reconnhecida.
Há, por exemplo, uma ideia que se vende de família.
E, pior, que a família merece tudo.
E, pior ainda, que alguém que não aprecie particularmente a família que lhe saiu na rifa ou que não está disponível para tudo que se lhe exige é uma má pessoa.
Não dou para isto porque não me interessa o que acham de mim,
Estive a ver o Ozark este fim de semana (very cool e útil em quarentena) e, a dado momento, a irmã entrega o irmão à morte. Diz onde ele está a quem sabia que o ia passar.
A situação é extrema e horrível.
Provavelmente, se fosse um familiar meu nunca lhe perdoaria porque existiria uma ligação emocional intransponível (eu gosto muito do meu irmão).
...mas, naquele caso, se ela não entregasse ia morrer...ela, o marido e os dois filhos.
Faz dela uma má pessoa?
É possível.
Nós faríamos outra coisa?
Difícil dizer, se formos honestos, não é?
Saturday, March 28, 2020
As Celebridades
Abomino moralistas.
Gente hipócrita, chateia-me;
Gente parva, chateia-me;
Gente ignorante (quando não tem desculpas para o ser), chateia-me;
Gente má, chateia-me.
Moralistas, abomino.
Por estes dias, dei de frente com o vídeo da Gal Gadot a cantar o Imagine com os seus célebres amigos.
O que leva alguém a cantar uma música que começa imagine there´s no heaven com gente a morrer às pazadas?
O que levou esta gente a pensar já sei! Vou chamar mais milionários como eu para cantarem uma canção enquanto refastelam na mansão e assim melhorar a vida dos outros! quando anda sei lá quanta gente a perder casas por não poder pagar a renda?
O problema deles é que vivem numa bilha ao largo da realidade.
Mas não os considerei moralistas.
Se quiser ser simpático, direi que foram infelizes.
Se quiser ser mauzinho, direi que são estúpidos.
...a verdade há-de andar pelo meio.
E custa-me.
Ver a Gal Gadot melhor, de facto, o meu dia.
Quanto a moralistas...
A lista, agora, seria infindável.
Dá-se que acabo de ler que a Cristina Ferreira está indignada com as filas na 25 de Abril.
Como indignado ficou quando viu a multidão na Póvoa do Varzim quanto estava há um sem fim de dias enclausurada em casa, porque ama toda a gente.
Estará a Cristina enganada?
Não necessariamente.
O que me parece, muitas das vezes, é que à Cristina dá-lhe uma de Gadot (sem ser nem por sombras tão boa). Desconexa, acredita que as suas opiniões têm um interesse real porque, hoje, uma que uma qualquer cabeça falante da televisão tem gravitas junto da massa.
O que a Cristina - e muitas outras e outros!!! - acha tem um relevo de um grão de areia pousado no asfalto. O que estas pessoas acham não tem, as mais das vezes, qualquer suporte cultural ou científico.
...mas a Cristina voltou à TV.
Será porque faz pão e é essencial?
Será porque consegue apagar fogos?
Será porque faz consultas?
Não.
Não faz nem sabe nada disto (talvez saiba fazer pão...).
Ter-lhe-á dado uma luz e pensado os velhos percisam de mim, de manhã?
Eu até acho que precisam, para ser honesto...mas menos do que de médicos e padeiros e bombeiros.
Pode ter acontecido de os seus assalariados terem de trabalhar e não perderem o emprego.
Não vi isto dito nem sei se é verdade mas pode muito bem ser. E se for, fez bem mas podia ter dito.
...ou, então, foi porque o Goucha decidiu regressar ao programa e ela fez o mesmo.
Não me parece que pudesse dizer isto mas, pensando que as pessoas são pessoas, como eu penso, é capaz de ter sido por isto.
Ou é uma coincidência e eu deixo as coincidências para o momento em que não há mais nenhuma hipótese.
Fiquem em casa, já chega os que têm de ir trabalhar!!!
É capaz de não ser o caso...a menos que saiba fazer pão.
Wednesday, March 25, 2020
Hippie Shit (até meio)
O pessoal que anda com missangas no pescoço e diz yóga correctamente (yôga) e anda a abraçar árvores com força usa muitas vezes o we´re all in this together.
É o tipo de frases que me faz revirar os olhos até à nuca mas esta vena do COVID tornou esta frase meio meta numa realidade.
O pessoal de cores vivas e tratadas a lixívia agora é capaz de ter razão.
Esta pendemia não está a poupar ninguém e despreza comportamento de risco (apanha os fumadores e os que não o são, por exemplo), embora com resultados e perigosidade diferente.
Ela pode ter todos os cuidados do Mundo e eu também mas basta pôr a mão no puxador da garagem onde um qualquer gajo tocou antes e estamos os dois fodidos.
Além disso, Portugal pode resolver toda esta merda com um sucesso incrível que isso de nada valerá se o resto do Mundo decidir fazer coisa diferente.
Vem um bonas de Espanha e um gajo fodeu-se;
As outras fronteiras continuam fechadas e a economia mundial não se recupera e a nossa saúde valerá de pouco.
Estamos mesmo nisto juntos.
É mesmo precisa solidariedade.
...por outro lado...
O Bolsonaro acha que isto é uma gripe e o Trump quer acabar com o afastamento social.
São os 2 umas bestas?
São.
Estão os 2 errados?
Se quisermos ser sinceros, a resposta é mais difícil.
Estava a ouvir há um par de dias alguém dizer que a previsão do déficit pode chegar aos 10% (posso estar a falar de uma outra coisa como o factor recessivo. Não me lembro bem mas, como verão, não interessa muito).
Como uma pessoa que não sabe o suficiente de economia, 10% não parece fixe mas, na mesma entrevista/comentário o mesmo gajo acrecentou que para terem uma idéia, em 2008, o que nos levou à Troika, o número foi 4%.
Caros...eu lembro-me bem do que foi 2008 e, por isso, não imagino uma catástrofe do dobro da magnitude.
No que tange às mortes (COVID e 2008), sempre tive uma curiosidade mórbida que não tentei aplacar quanto ao crescimento do suicídio na época do sub prime. Tenho a certeza que aumentou. Muitos dos que ficaram sem casa e sem dinheiro para alimentar os filhos hão-de ter desistido.
Agora, com o dobro do efeito...
Novamente, serão o Trump e o Bolsonaro umas bestas?
Sim.
Será que este fechar mundial não terá resultados piores do que assumir que temos de marchar em frente mesmo perante as dificuldades e os custos?
Não se sabe, não é?
Bem, this too shall pass.
Saturday, March 21, 2020
Mortalidade
Questão que não é recente mas que se corporizou.
Por estes dias, no meio de uma conversa, disse-lhe que o que me chateia, realmente, é que é improvável que a vá ver com a idade que tenho hoje, ou seja - para não ser críptico -, é improvável que vá ver a minha filha chegar aos 40.
Não digo que seja impossível;
Não digo que seja muito improvável;
Direi, apenas, que é improvável.
Como disse, a questão não é nova.
A partir dos 30, há uma década, comecei a achar que era tarde para ser pai.
Não garanto que, hoje, ache coisa diferente.
Sendo tudo ainda nem sequer novo - Ela ainda está grávida mas está muito mais do que estava há 2 meses e esses 2 meses parecem ter sido há uma semana - todas as questões recebem apenas suposições como resposta; e suposições criadas no éter.
Fisicamente, hei-de estar pior preparado.
A minha forma física nem é má quando comparada com o que já foi. Mas a verdade é que também já foi melhor.
Continuo a não precisar de dormir muito mas já precisei menos;
O meu corpo pede dois ou três dias de recuperação quando bebo mais do que devia mas, felizmente, é posto cada vez menos à prova.
...no que não depende do físico, a impressão que tenho é que nunca estive melhor.
Não me lembro de ser mais rápido e nunca fui mais experiente;
Não me lembro de ser mais ponderado e nunca soube mais;
Não me lembro de ser mais paciente e nunca aprendi melhor.
Por respeito à verdade, continuo a não considerar-me paciente. Só estou mais.
O argumento óbvio e real para o que me apoquenta é que nada me garante, sequer, que a vá ver nascer; não me garante agora como não me garnatia há 10 ou 15 anos atrás.
Mas eu não funciono assim.
A probabilidade de ver os 60 é maior do que ver os 80.
É assim que eu funciono.
Estou muito melhor a aceitar o que não posso controlar mas ainda tento controlar tudo o que consigo.
É por isso que aceito que posso apanhar o COVID mas já não aceito colaborar para isso.
Tenho de sair de casa quando preciso de víveres mas, há um par de dias, Ela disse-me que precisava de se comprar sumo.
O sumo era para mim e para o meu pequeno-almoço. Era comigo que estava preocupada.
...mas não. Não saio para comprar sumo para mim. Beberei água.
Gosto de sumo ao pequeno-almoço? Claro. Mas sumo não é, para mim, nem remotamente essencial, por isso não irei a uma qualquer superfície para o comprar.
Percebem?
Eu posso apanhar COVID. Posso, até, já o ter apanhado...mas nunca por ter ido comprar sumo!
Friday, March 20, 2020
Quarentena
O que estou, de facto, é respeitar quase escrupulosamente o que uma quarentena seria. Desde sexta-feira passada saí para comprar umas coisas de comida e, aproveitei, comprei cigarros; hoje estive forma mais tempo porque tive de ir tratar de uma ecografia.
Tem sido fácil?
Quando comparado com a alternativa, tem.
Como me canso de dizer, sou um homem simples; se se tratasse só da minha saúde, ainda assim valeria a pena mas sentiria, possivelmente, o sacrifício como sendo excessivo. Não quer dizer que não cumprisse mas ia doer muito mais.
Como se trata mais da saúde delas do que da minha - ainda que apenas eu seja um gajo pertencente ao risco elevado - não há espaço para hesitações nem arrependimentos.
É isto que tem de se fazer para minimizar o risco;
É isto que se faz.
...mas mesmo excluindo o que descrevi, não tem sido tão duro quanto isso.
Felizmente, posso trabalhar a partir de casa. Ocupa-me tempo.
Não preciso de usar phones para ouvir música. Agrada-me.
Para fumar, preciso de me deslocar menos. Porreiro.
Não ouço um constante ruído à minha volta e é mais difícil perguntarem-me coisas parvas ou contarem-me o que não me interessa. Bom.
Comprei um computador e recebi uma máquina fotográfica há pouco mais de uma semana. Feliz coincidência.
...e ainda tem isto:
hoje, uma gaja que trabalha comigo e que gosta mais de falar comigo do que devia, disse-me pelas merdas virtuais que precisava de falar com gente. Só vê e fala com o marido há 7 dias.
Intelectualmente precebo-a.
Empiricamente, foi um bocado o que vi e ainda vejo à minha volta.
Mas eu não passo por isto.
Eu não penso só falo com ela há uma semana...
Tenho sorte.
Tenho sorte, também, que Ela ature os meus acessos de mau humor que raramente são merecidos e menos raramente exagerados.
É possível que esta clausura me esteja a deixar com os nervos um bocado à flor da pele, ainda que não o sinta como tal.
Acho que a única altura em que acho que não devo estar com Ela é quando só vejo vermelho mas, ainda neste caso, acho que não devo estar com Ela mas também acho que não devo estar com ninguém.
Ah, e por mim mas não menos importante:
Eu não estou de facto em quarentena.
Eu não estou de facto obrigado a estar fechado.
E, como em tudo na minha vida, não aprecio ser proibido de fazer coisas que nem sequer quero, pelo que proibir-me do que quero seria bem diferente do que é agora.
Vamos indo.
Sunday, March 15, 2020
A Diretora Geral da Saúde e o COVID
Como aconteceu num dos posts anteriores, evitarei tecer comentários sobre o que não entendo (sendo certo que com tanto tempo desocupado sou capaz de deixar de evitar).
A Graça Freitas é capaz de ser uma médica óptima e uma pessoa adorável. Não tenho nenhum indício nesse sentido mas não sei o suficiente para duvidar que assim seja.
O que a Graça Freitas é, contudo, ou pouco inteligente ou impreparada para falar em público ou fraca perante situações de pressão.
Primeiro mas não muito relevante foi ter considerado muito improvável que o vírus cá chegasse.
Quando refiro não muito relevante quero dizer que pode ter sido uma estratégia de nos deixar durante mais uns tempos relaxados.
Não estou certo que tenha sido;
Não é uma medida que me pareça boa;
Não gosto de gente mentirosa mas... ok, pode não ser muito grave.
Segundo foi quando estava a ver uma das conferências de imprensa e a ouvi dizer evitem ligar para o Saúde 24 para saber informações sobre a doença - pensei: justo! - em vez disso, pesquisem no Google - fiquei lívido.
Ainda esperei mais uns segundos porque pensei que quando ela falou de pesquisem na internet fosse acrescentar o site do Ministério da Saúde ou da OMS mas não...GOOGLE.
Pode parecer algo drástico mas, dando, era despedi-la no acto.
Mandar a população, perante uma pandemia, pesquisas sobre a doença no Google é um grau de estupidez que não estaria disposto a tolerar.
Saturday, March 14, 2020
"Aos vossos avós pediram para ir para a Guerra, a vocês que fiquem no sofá!"
Esta frase foi usada para um enxerguem-se ao pessoal que se anda a queixar por ter/pedirem de ficar em casa.
Não me queixei mas apetecia-me.
Esta merda está para dar dois dias e só saí para comprar carne e pão, ambas as vezes às 7 da manhã, hora em que confiei que a maior parte das pessoas normais estaria, ainda, a dormir ou, na pior das hipóteses, a acordar.
Tinha razão. Funcionou.
Quem vai sofrer com isto?
Vou lamber Netflix, forte.
Provavelmente, vou passar aqui muito mais.
A minha máquina é capaz de tirar fotos sem interesse e verá os seus menus serem configurados e re-configurados sem sentido.
O Lightroom vai deixar de ganhar pó e o meu pó a editar vai ter de ir dar uma volta.
Pelo meio, espero conseguir ler.
Ah, K, mas tu és assim uma pessoa tão activa e dada a actividades ao ar livre?!
Não, não sou.
Mas sou como os cães. Preciso de passear.
E, em abono da verdade, entedia-me não esticar as pernas.
Estão a ver?
O meu tédio deu em fazer-vos perder tempo para nada!
Thursday, March 12, 2020
COVID
Ainda pensei em dizer umas baboseiras sobre o COVID.
Falar da reacção dos Países e o papel da China e o desastre italiano e por aí fora. Não o farei.
Vou falar de papel higiénico.
Aquando da primeira conferência de imprensa da bonas da direcção geral da saúde em que se confirmaram uns quantos casos em estudo mas sem nenhuma confirmação a pulga saltou-me. Aquilo pareceu-me uma mentira. Achei que já haveria algum deles confirmado mas não o quis dizer naquele momento.
Pareceu-me uma maneira suave de preparar as crianças para uma confirmação.
Então, quando fui ter com Ela disse-lhe vamos ao Continente comprar merdas e foi isso que fiz.
Poderão pensar ah, K, és dos gajos que vai acomular cenas para a catástrofe que nunca chega mas não sou. Não sou nada disso.
O que acontece é que vi os camelos do papel higiénico a chegar.
Imaginei os histéricos que andaram a comprar máscaras que fazem merda nenhuma.
E pensei pá... eu não quero andar à chapada com gente num supermercado por causa de uma lata de atum, especialmente com Ela grávida.
Foi isto que pensei.
Foi isto que fiz.
Não estou muito preocupado com o COVID em si. É certo que estou preocupado com o COVID por causa da gravidez dela mas do COVID, enquanto tal, nem por isso.
(espero não parecer um camelo daqui a meia dúzia de semanas quando esta merda se revelar a Peste Negra)
...só que a população é incontrolável!
Assusta-me mais o pânico, justificado ou não. Pânico não ajuda nada em nenhuma situação e eu aprecio sossego.
Não quero ser o judeu que pensou ah, isto está a azedar um bocado mas o Hitler não vai fazer o que diz, foi só por causa das eleições ou o idiota que pensou vou votar no Trump como protesto! A Hilary vai ganhar mas assim percebem que as coisas estão mal.
Eu votei no Marinho e Pinto como os que votaram no Trump.
Aprendi.
Wednesday, March 11, 2020
Fraqueza
Hoje, perguntei a um gajo que trabalha comigo se queria ir almoçar ao X; foi ele que me falou do X e eu gosto daquilo; além disso, simpatiza com o gajo. É um bocado chato e fala um bocado demais mas é bom tipo.
Bem, o gajo disse-me que tinha trazido almoço.
Naturalmente e essa merda estraga-se de um dia para o outro?! Deixa de ser bicha!
(isto pode ter parecido agressivo mas destinava-se, apenas, a ter graça e há, de facto, gente que não vai porque tem almoço).
Dá-se que não era isso.
Ele, humildemente e de uma forma que eu jamais faria!, disse-me que, por outras palavras, que era uma questão de dinheiro. Começou a explicar-me que a mulher ainda estava em casa - foi mãe há pouco - e que só recebia... desliguei aqui. Não ouvi mais porque fiquei constrangido.
Depois, quando ia sair para almoçar, de forma audível para que não parecesse que lhe estava a fazer um favor, disse caguei no almoço que trouxeste. Vamos embora!
Lá fomos e paguei o almoço.
Não perguntei nada, só paguei, e ele não disse nada;
Não fingiu que não queria e também não agradeceu.
Não se ter oferecido para pagar o próprio almoço, só me fez pensar caralho, a merda não deve andar boa, o que me deixou ainda mais constrangido um bocado;
Não ter agradecido foi um favor que me fez. Já chegava como estava.
Lamento por ele como lamento por toda a gente que tem problemas de dinheiro.
Dinheiro não vale nada nem interessa coisa nenhuma, menos quando não se tem. Caso em que é, basicamente, tudo.
Se não tem dinheiro para almoçar, por que motivo decidiu ter um segundo filho?
Se não tem dinheiro para almoçar, por que motivo está a pensar mudar de casa?
Se não tem dinheiro para almoçar, por que motivo trocou de carro (ainda que usado e ainda que antigo)?
Em primeiro lugar, pode ser o advento do segundo filho que implica e implicou todas as mudanças mas...pá...na minha cabeça, mais um quarto e um carro melhor não compensam a infelicidade; mas talvez isso não o faça infeliz.
Em segundo lugar, mesmo que ele seja estúpido e faça todas as escolhas erradas, continuava a não ter dinheiro para almoçar.
Não se confundam: não passei a ser um social justice warrior. Ainda continuo a achar e a praticar que cada um faz a cama em que se deita.
Mas esta merda chateou-me.
É possível, contudo, que o que me preocupa mais no meio disto tudo seja Eu.
É o que costuma acontecer.
Fui comprar um computador há uns dias.
Analisei duas opções, depois de consultados especialistas: uma delas custava mais 200,00€ do que a outra, pelo que perguntei qual a diferença.
Explicaram-me e percebi que, para as minhas necessidades, só haveria de pagar mais 200,00€ por questões estéticas. Eu achava mais bonito.
Ela também achava mais bonito, pelo que perguntei: achas que é 200,00€ mais bonito? Se achares, sa foda, eu compro!
Ela achou mais bonito mas achou, também, que 200,00€ era dinheiro a mais.
Lá fui à loja e disse ao gajo:
Olhe, eu vim comprar o X. Dá-se que o meu plafond é de Y, pelo que se me puder tirar 50,00€ ao Z (o de + 200,00€) eu posso levar esse.
O gajo disse que não podia
Eu trouxe o mais barato.
O que eu fiz foi propor um negócio que apaziguaria a minha consciência. Nada mais.
Na minha cabeça, teria vencido ao conseguir o desconto e a minha consciência aceitaria pagar mais só por ser bonito.
É estúpido. Eu sei. É real.
Ah, K, o que tem essa merda que ver com a cena do almoço?
Isto:
No dia seguinte, contei a história a um gajo que trabalha comigo e, ao que descrevi, acrescentei isto: se fosse verdade que tinha um plafond e que não podia gastar mais do que isso, nunca pediria desconto nenhum!
E é verdade.
Não se trata, exactamente, de ter vergonha de não ter dinheiro. Há muitas coisas para as quais não tenho dinheiro (sendo verdade, também, que não quero ou almejo ter a esmagadora maioria das coisas que não posso comprar).
Também não é que tenha vergonha que as outras pessoas soubessem que não tinha dinheiro. É óbvio que todos que me rodeiam sabem que há coisas que não posso comprar.
É difícil de explicar, na verdade.
É parecido com uma sensação de vulnerabilidade e de prisão. Achar que há qualquer coisa que quero e que não consigo pagar, especialmente uma merda não propriamente luxuosa (como um computador) faz-me sentir agrilhoado.
...por isso, quando o gajo não tinha dinheiro para almoçar, doeu-me a mim.
Se fosse eu, sentiria - e isto é de certeza! - que a minha vida não merecia ser vivida.
Parece dramático, eu sei.
Sei, também, que pode muito bem acontecer-me, por muito que tente evitar.
Não desconsidero que pode fazer-me parecer um materialista que eu não sou.
....mas apesar de não ligar ao dinheiro em si ou às coisas que ele pode dar ou à posição pessoal que pode permitir, para mim, dinheiro = liberdade. Só isso. E isso é tudo.
É capaz, ainda, de se dar o caso de estar demasiado sensível a isto porque vou produzir outro ser humano mas isso ficará para outra vez.
Chega de deprimir.
Naturalmente e essa merda estraga-se de um dia para o outro?! Deixa de ser bicha!
(isto pode ter parecido agressivo mas destinava-se, apenas, a ter graça e há, de facto, gente que não vai porque tem almoço).
Dá-se que não era isso.
Ele, humildemente e de uma forma que eu jamais faria!, disse-me que, por outras palavras, que era uma questão de dinheiro. Começou a explicar-me que a mulher ainda estava em casa - foi mãe há pouco - e que só recebia... desliguei aqui. Não ouvi mais porque fiquei constrangido.
Depois, quando ia sair para almoçar, de forma audível para que não parecesse que lhe estava a fazer um favor, disse caguei no almoço que trouxeste. Vamos embora!
Lá fomos e paguei o almoço.
Não perguntei nada, só paguei, e ele não disse nada;
Não fingiu que não queria e também não agradeceu.
Não se ter oferecido para pagar o próprio almoço, só me fez pensar caralho, a merda não deve andar boa, o que me deixou ainda mais constrangido um bocado;
Não ter agradecido foi um favor que me fez. Já chegava como estava.
Lamento por ele como lamento por toda a gente que tem problemas de dinheiro.
Dinheiro não vale nada nem interessa coisa nenhuma, menos quando não se tem. Caso em que é, basicamente, tudo.
Se não tem dinheiro para almoçar, por que motivo decidiu ter um segundo filho?
Se não tem dinheiro para almoçar, por que motivo está a pensar mudar de casa?
Se não tem dinheiro para almoçar, por que motivo trocou de carro (ainda que usado e ainda que antigo)?
Em primeiro lugar, pode ser o advento do segundo filho que implica e implicou todas as mudanças mas...pá...na minha cabeça, mais um quarto e um carro melhor não compensam a infelicidade; mas talvez isso não o faça infeliz.
Em segundo lugar, mesmo que ele seja estúpido e faça todas as escolhas erradas, continuava a não ter dinheiro para almoçar.
Não se confundam: não passei a ser um social justice warrior. Ainda continuo a achar e a praticar que cada um faz a cama em que se deita.
Mas esta merda chateou-me.
É possível, contudo, que o que me preocupa mais no meio disto tudo seja Eu.
É o que costuma acontecer.
Fui comprar um computador há uns dias.
Analisei duas opções, depois de consultados especialistas: uma delas custava mais 200,00€ do que a outra, pelo que perguntei qual a diferença.
Explicaram-me e percebi que, para as minhas necessidades, só haveria de pagar mais 200,00€ por questões estéticas. Eu achava mais bonito.
Ela também achava mais bonito, pelo que perguntei: achas que é 200,00€ mais bonito? Se achares, sa foda, eu compro!
Ela achou mais bonito mas achou, também, que 200,00€ era dinheiro a mais.
Lá fui à loja e disse ao gajo:
Olhe, eu vim comprar o X. Dá-se que o meu plafond é de Y, pelo que se me puder tirar 50,00€ ao Z (o de + 200,00€) eu posso levar esse.
O gajo disse que não podia
Eu trouxe o mais barato.
O que eu fiz foi propor um negócio que apaziguaria a minha consciência. Nada mais.
Na minha cabeça, teria vencido ao conseguir o desconto e a minha consciência aceitaria pagar mais só por ser bonito.
É estúpido. Eu sei. É real.
Ah, K, o que tem essa merda que ver com a cena do almoço?
Isto:
No dia seguinte, contei a história a um gajo que trabalha comigo e, ao que descrevi, acrescentei isto: se fosse verdade que tinha um plafond e que não podia gastar mais do que isso, nunca pediria desconto nenhum!
E é verdade.
Não se trata, exactamente, de ter vergonha de não ter dinheiro. Há muitas coisas para as quais não tenho dinheiro (sendo verdade, também, que não quero ou almejo ter a esmagadora maioria das coisas que não posso comprar).
Também não é que tenha vergonha que as outras pessoas soubessem que não tinha dinheiro. É óbvio que todos que me rodeiam sabem que há coisas que não posso comprar.
É difícil de explicar, na verdade.
É parecido com uma sensação de vulnerabilidade e de prisão. Achar que há qualquer coisa que quero e que não consigo pagar, especialmente uma merda não propriamente luxuosa (como um computador) faz-me sentir agrilhoado.
...por isso, quando o gajo não tinha dinheiro para almoçar, doeu-me a mim.
Se fosse eu, sentiria - e isto é de certeza! - que a minha vida não merecia ser vivida.
Parece dramático, eu sei.
Sei, também, que pode muito bem acontecer-me, por muito que tente evitar.
Não desconsidero que pode fazer-me parecer um materialista que eu não sou.
....mas apesar de não ligar ao dinheiro em si ou às coisas que ele pode dar ou à posição pessoal que pode permitir, para mim, dinheiro = liberdade. Só isso. E isso é tudo.
É capaz, ainda, de se dar o caso de estar demasiado sensível a isto porque vou produzir outro ser humano mas isso ficará para outra vez.
Chega de deprimir.
Tuesday, March 10, 2020
...muito tempo depois
Gostaria de dizer que senti falta de escrever mas, se senti, não dei por ela..
Seria mal agradecido se dissesse que escrever não me ajuda e não funciona como uma terapia. Para mim, há-de ser o que a confissão é para outros; para mim, há-de ser o que desabafar com um amigo é para outros.
Não acredito em confissões;
Não sou gajo de desabafar.
Será, então, que deixei de apreciar escrever?
Não. Escrevo todos os dias, ainda que temas que me interessem menos porque não sobre mim.
Será, então, que deixei de me achar interessante?
Não. É certo que, de vez em quando, acho que não sou particularmente estimulante mas, felizmente, há sempre gente perto de mim que me faz perceber que estou errado.
Será, então, que deixei de achar interessante o dia-a-dia?
Também não é o caso.
Ainda por agora, tive um gajo a explicar-me o efeito - Coriolis, acho - que faz com que a água da sanita na Austrália gire em sentido inverso.
Outros adormecem; eu acho interessante.
A minha ideia é outra.
Tratar-se-á de um misto entre falta de vontade de parecer que me estou a queixar e de achar que estou só a repisar assuntos.
...e, contudo, a segunda não seria nunca um impedimento.
A primeira, seria.
Estão a ver?
Enferrujado.
Bem, baby steps.