Wednesday, October 30, 2013

INVERSÕES

Não gosto de fazer o papel de moralista, até porque não me fica bem.
Como tenho uma costela, ou mais, anarquista e muitos problemas com autoridade (um mal que me acompanha desde sempre e que ainda não aprendi a domar) fico muito irritado quando me vejo, como se de uma ascese pobre se tratasse, a defender valores como se sofresse, já, de artrite avançada. Imagino, na minha cabeça enquanto faço algumas apreciações, que estou numa cadeira de baloiço, barba branca rarefeita (nem em imaginação a minha barba é outra coisa que não rarefeita), menos um bom número de dentes, careca e com uma pronúncia já sibilante...talvez em virtude da falta de dentes.

Hoje em dia é muito comum tecermos elogios a alguém que mais não faz que o seu trabalho de uma forma, por vezes, meramente satisfatória.
Ficamos agradecidos quando um bibliotecário se esforça por encontrar um livro que queremos e que pelos nossos meios não vislumbramos;
Ficamos encantados quanto um empregado de mesa é diligente no seu serviço e agradece o nosso negócio;
Ficamos quase espantados quanto um polícia, percebendo que estamos perdidos, se oferece por nos ajudar a encontrar o caminho.
Exemplos destes são aos milhões mas já me cansei de os elencar.

Quando é que nos habituamos a ser mal tratados para nos sentirmos quase especiais quando nos tratam com o respeito e diligência que merecemos?
Quando é que esta sociedade se tornou num martelo que não pára de nos martirizar para agradecermos o alívio que surge quando o martelo pára de trabalhar?
Quando é que descemos ao ponto em que, olhando à volta, podemos ser tentados a pensar que os otários somos nós quando seguimos os mais básicos princípios de cidadania ou educação ou respeito ou outra coisa qualquer?
Quando é que deixamos de entender como idiotas os gajos e gajas que usam chapéus dentro de portas?

(acabei de escrever isto e ouço o ranger da cadeira de baloiço)

Blatter e CR7

Ontem, enquanto jantava, vi aquilo que andava a ouvir durante todo o dia: Blatter a imitar (e ridicularizar, há que dizê-lo) Cristiano Ronaldo e a afirmar, com todas as palavras, que achava Messi melhor jogador.

Houve ali algo de estranho...
O jornalista que apresentou a notícia disse que as perguntas tinham sido combinadas, daí que só podemos pensar que ou o Blatter endoideceu ou estava sob influência de substâncias, quer lícitas quer ilícitas.
Será que ele pensava que ninguém estava a gravar? Será que ele é o Machete da FIFA, uma figura analógica na era digital que não entende como o Mundo ficou curto?

Apesar de entender que o que ele fez é ridículo e merecia a sua demissão, há que dizer que, primeiro, ele não teria dito a mesma coisa de um jogador de um país como, digamos, a Alemanha e, segundo...que ele tem razão...
Excluindo o passo de ganso que ele imitou, também acho que o Messi é muito melhor (eu e a maioria esmagadora do mundo, de onde se exclui, por exemplo, Futre e o próprio CR7); também eu penso que se pudesse escolher para familiar um ou outro escolheria Messi; também eu fico com vontade de ridicularizar a constante mudança de corte de cabelo e o orçamento de um país em vias de desenvolvimento em gel; também a mim me irrita CR, não posso negar.
Aliás, se os comentadores e analistas portugueses fossem mais do que a voz do dono teriam de reflectir o porquê da hostilidade dos adeptos para com CR7. É que, mesmo que eles não tenham razão nenhuma e que seja feio, existem motivos para que quando CR está a jogar se grite Messi mas o contrário já não aconteça.

No penúltimo jogo do RM, por exemplo, CR quando marcou um golo foi gritar para as bancas qualquer coisa como ESTOU AQUI!!! em forma de salvador.
O problema, é que no jogo seguinte, contra o Barcelona, ele não esteve lá...e ninguém se esqueceu.

O Blatter é um otário à frente de uma associação de gente-que-é-o-contrário-de-bem-feitores e devia ser corrido depois daquilo que disse.
CR7 deve ter acessos de choro por jogar futebol na mesma época que Messi (diga-se que, daquilo que me lembro, claramente melhor que CR7 só Ronaldo - Fenómeno, Maradona e, agora, Messi),


Monday, October 28, 2013

Este FDS dei uma vista de olhos a uma entrevista do Jerónimo de Sousa a um dos jornais de negócios. Não o li em profundidade, porque a profundidade, ali, não existe, mas ficou-me na retina uma afirmação sobre nacionalizar o que já foi privatizado.
Ora, como se faria essa nacionalização uma vez que as empresas acabam de ser privatizadas, pergunta o jornalista, ao que, parafraseando, Jerónimo responde de uma maneira ou de outra.

Não sabem nada.
Não aprendem nada.
Não evoluem nada.
Não possuem nada.

Esta mentalidade de Sec. XIX nunca funcionou mas o Jerónimo não desiste. E não desiste porque não sabe.  Ganhou mais meia dúzia de câmaras e ressurgiu, como fénix, pensando que as pessoas passaram a ouvi-lo ou a acreditar nele. Não passaram. O que aconteceu é que não acreditam em ninguém e se, em termos práticos, a diferença pode ser pouca (afinal, votos não falam) em termos reais a diferença á monstra.

Um exemplo desta incapacidade cultural e intelectual:
Quando os EUA, há muito tempo, tomaram conta de Cuba decidiram não pagas as dívidas que esta tinha para com o estrangeiro. Decidiram que tais dívidas haviam sido contraídas em benefício próprio (dos que governavam) e não alheio e geral (dos que eram governados e iriam pagar): a isto chamaram Dívida Odiosa.
Quantas vezes ouvi falar disto na TV? Q que me lembre, nenhuma.
Se isto seria um argumento e uma solução para os dias de hoje? Não sei. Os tempos são outros; nós não somos americanos.

MAS!, se o programa eleitoral de alguém é não pagamos não seria útil que quem se arroga desta solução nos dissesse: olhem, os reis do capitalismo fizeram isto que nós propomos! E fizeram-nos por isto e isto e isto!
Mas eles não sabem...

Friday, October 25, 2013

Ignorância II

Na sequência do anterior, lembrei-me de um caso leviano (os melhores!) em que preferia a tal ignorância selectiva.

Eu sou um gajo que gosta muito de música. Vou ver os shows que consigo e tento, depois, saber mais coisas sobre os músicos ou bandas que realmente me interessam. É uma festa de Googles e Wikipédias e Youtubes e por aí fora. Interessa-me a música, em si, mas também a vida em termos amplos; uma janela para se entender, quando se tem sorte, o motivo que leva uns para os Blues, outros para o Jazz, outros para o Rock e por aí fora.
Por norma, não vou ver mais do que uma vez um determinado artista e como regra nunca vou ver dois concertos do mesmo artigo que versem sobre o mesmo trabalho. Esta segunda regra será relativamente óbvia para todos, apesar de haver quem siga digressões inteiras: não quero ouvir o mesmo dois dias seguidos.

Esta regra foi quebrada há uns tempos.
Fui ver dois concertos da mesma artista em dias diferentes mas, como referi, a versar sobre o mesmo tabalho.
Foi horrível!
Não me incomodou muito ouvir as mesmas músicas, faço-o constantemente no carro, mas foi destrutivo ouvir as mesmas histórias nos mesmos momentos; os mesmos elogios aos mesmos minutos; a mesma emoção desbargada em lugares diferentes.
Eu sei que a minha ideia de espontaneidade era juvenil. É evidente, se pararmos para pensar, que os artistas dizem, as mais das vezes, o mesmo a pessoas diferentes e que as histórias pessoais que partilham fazem parte da actuação. Eu sei tudo isto mas não queria acreditar. Não vou a concertos com a minha mente analítica mas com a outra que não sabe nem quer saber o que é uma mente analítica.

Pior!!!
Convivi em vários momentos com a protagonista do concerto em questão em diversos momentos e alguns dias. Pareceu-me muito simpática. Pareceu-me que gostei dela como ela gostou de mim - e, vamos ser honestos e neandertais... quando uma mulher bonita e sensual acrescenta a isto dominar um palco com sei lá quantos gajos a pensar o mesmo queu, o seu factor de atracção cresce exponenvialmente. Pareceu-me uma pessoa que, por acaso, era artista e que a sua personalidade não tinha sido infectada por esse pequeno facto.
Não era o que pareceu. E eu não sou fácil de enganar... a menos que tenha pouco tempo de observação acrescido do facto da gaja ser boa.
Afinal, não era tão normal como parecia. Era uma divazita (zita porque ainda não tem o estatuto necessário) com os tiques de estrela que não apareceram quando estive com ela por um motivo que desconheço.

Preferia não saber...
Não que me incomode esta coisa de ser diva. Para ser honesto até acho graça mas à distância.
O que mais achei engraçado nela acabou. Gostei nela aquilo que gosto nas outras pessoas que conheço: que sejam inesperadas e que desmintam o que os lugares comuns dizem delas.

Mas os lugares comuns, por muito irritante que isso seja, nasceram por alguma razão...


A Ignorância

É muito comum ouvir-se que a ignorância é uma benção, frase que já usei muitas vezes e que sinto como sendo verdadeira as mais das vezes.
A questão, que vi a cores há uns dias, contudo é um pouco mais complexa porque mesmo quando eu uso a frase uso-a num contexto em que não sou ignorante e que, na verdade, não o quero ser: o que realmente acontece é que, mais do que ser algo que digo da boca para fora, é um dito que reflecte que preferia não saber certas coisas (o que também não é verdade mas gostava que fosse) mas não não saber todas as coisas.
Ou seja, é um luxo mormente Ocidental. É um dizer que, em si, engloba uma sofisticação que a ignorância não permitiria.

Lembrei-me disto porque há uns dias vi uma reportagem de um gajo que foi para o Afganistão tentar entender o motivo que leva uma religião que proibe o suicídio e o assassinato de outros que praticam a mesma religião a, pretensamente, incentivar os bombistas suicidas.

Este jornalista, que deve possuir um assustador par de testículos, tansmite duas coisas que revelam, na minha opinião, o que é, realmente, a ignorância e o seu preço:

I
O jornalista vai a uma cadeia e fala com dois miúdos que forma presos quando o seu colete-bomba não rebentou (na legenda lia-se Bombista Suicida Falhado, por baixo do nome...o que seria hilariante se não fosse trágico).
Quando perguntou às crianças o motivo que as levou a tentarem rebentar-se eles responderam que estavam a lutar contra os infiéis e que o Corão os incitava a isso.
Quem eram os inimigos, perguntou-se. Não os sabiam identificar, eram-lhes apontados;
Sabiam que o Corão proíbe o suicídio, perguntou-se. Não, não sabiam.
Como não sabem que o Corão proíbe o suicídio e o assassinato de outros muçulmanos, perguntou-se. Porque não sabiam ler. Porque o que julgavam saber do Corão era transmitido pelo Imã que lhes dizia que o podiam fazer e que viveriam, depois, no Paraíso com as suas várias mãos cheias de virgens.

Estes miúdos eram isso mesmo: miúdos. Nervosos por estarem a falar para uma câmara, envergonhados com os trapos que traziam e, pasme-se, subservientes a toda a figura que tive mais meia dúzia de meses que eles.
O que tentaram fazer não é menos bárbaro. Mas não é menos bárbaro, também, aproveitar-se da profunda ignorância alheia.

II
O jornalista conseguiu marcar um encontro com um talibã. Este talibã, cujo nome não fixei, tinha estado envolvido no sequestro de funcionários da ONU no Paquistão e agora encontrava-se no Afganistão.
O jornalista perguntou-lhe se os bombistas suicidas iam continuar a aparecer e até quando e tal. A resposta, óbvia, foi que iam continuar até que os infiéis se mandassem e por aí fora (história cansativa que não me apetece repetir).
Depois, foi questionado o seguinte: O Corão proíbe o suicídio e o assassinato de outros muçulmanos. Qual é a sua interpretação do Corão quanto a isto?
Em resposta, o tipo enunciou um ditado Pashtung (vou tentar ser exacto): Quando olho para cima, vejo um tigre; quando olho para baixo, vejo um rio. O melhor é não me mexer.
E pronto.

Não, não melhor ser ignorante porque, no sítio errado, isso pode custar-nos a vida.

Wednesday, October 23, 2013

A Tempestade Perfeita

ATempestade Perfeita é um termo mítico que alude à junção de determinadas condições climatéricas que criam uma cena muito violenta no oceano.
Mais correntemente é uma expressão metafórica utilizada para quase todo o tipo de situações em que as condições se juntam para dar um resultado tenebroso.

Quando olhamos para ontem torna-se evidente o que se precisa para que um qualquer tipo, de forma mais ou menos independente, tome as rédeas do poder e as não partilhe com ninguém. Foi assim com todas as figuras ditatoriais históricas quer elas fossem mais ou menos brilhantes, quer elas tenham tomado o poder de forma planeada ou mais acidental. Sim, às vezes é só preciso estar no lugar certo à hora exacta.
O problema disto é que, como na maioria dos eventos históricos que se repetem ciclicamente, é que quando se está no meio deles é muito difícil perceber que se lá está. Pensem naqueles quadros construídos como pontos que não conseguimos relacionar ao perto mas quando olhados de longe demonstram o padrão pretendido.

Dentro de muitas das condicionantes necessárias, a mais importante é o sentimento de se estar engaiolado; aquele sentimento de desnorte que, coloquialmente, podemos apelidar de falta de fé.
Eu, quando praticava desporto de forma quase profissional, levava pancada de meia noite mas sujeitava-me àquilo porque queria ganhar e o custo de ganhar eram umas escoriações e um niquinho de sangue, às vezes. Não me importava de sofrer porque a coisa tinha um objectivo e quando o objectivo era atingido tudo valia a pena. Mas mesmo quando não se atingia o objectivo ele estava lá, era possível, por isso valia, novamente, a pena passar por tudo outra vez para.

Quando não se sabe para que se apanha é que a coisa é pior. O desconhecimento do porquê de se estar a sangrar e a levar socos e pontapés torna inevitável que não se queira passar por este tipo de provações. Afinal, é pior do que masoquismo porque, dizem-me, a dor infligida no masoquismo torna-se prazer e para se sentir prazer vale a pena.
O problema é querer, por exemplo, que eu que não gosto de levar chicotadas as continue a apanhar apenas porque sim. E porque sim não me serve.

É por isso que a Le Pen e os Auroras Douradas desta vida começam a ter o peso que nunca mereceram.
É natural que as pessoas queiram alijar as suas culpas nos outros (como ciganos ou imigrantes) porque estão cansados de apanhar e enquanto o pau vai e vem... É, ainda, natural que quem não tem, de facto, culpa no seu sofrimento feche os olhos e vá atrás de quem promete o fim das escuriações mesmo quando, em outras circunstância, seriam capazes de ver ao longe que tal não era possível e que a magia não existe.
Só quem nunca sofreu uma dor a sério (mesmo física, sem qualquer alusão metafórica) é incapaz de entender que esta tolhe, violentamente, o raciocínio.

É em momentos destes que se pede o quase impossível e em que este quase impossível se torna premente:
Temos de ser racionais, temos de estar de olhos abertos e saber que, as mais das vezes, o que parece ser bom demais para ser verdade normalmente é mesmo...bom demais para ser verdade.
Temos de juntar os pontos, temos de andar um bocado para trás porque, como nos ensinaram as gerações anteriores, as mentiras têm pernas curtas e a realidade abata-se como um trovão! 

Monday, October 21, 2013

Todos gostamos de histórias inspiradoras. Aquelas histórias, muito desenvolvidas por Hollywood mas não só, de superação de obstáculos, o self made man, o tipo que luta contra aquilo em que não acredita em benefício da sua consciência.
Alimentamo-nos de bordões que nos dizem que o mais importante é fazermos aquilo de que gostamos, ideais de vencer com base nos valores e na crença de que estamos certos.

Em resumo, tentam vender-nos fé.

O que, as mais das vezes, dá cabo destas construções todas é a realidade. A realidade não é muito complacente com ideais.
Se pensássemos a vida como se analisam estatísticas seríamos confrontados com o que realmente acontece e menos com aquilo que gostaríamos que acontecesse ou que nos dizem que pode acontecer.
Fala-se, constantemente, do 1%. Daquelas pessoas que são imensamente ricas e que compõe uma ínfima parte dos 100%. Ora, por muito que nos queiram vender que este 1% resulta de uma conjuntura tal, pura e simplesmente, não é verdade. O 1% é a estrutura. Um 1% que pouco varia e que, assumo o risco de o dizer, é maior agora que se fala dele do que antes quando dele não se falava.

O grande problema, como sempre, é a escolha que poderíamos ter de fazer entre a realidade e a ficção. Será que preferíamos que nos dissessem que a probabilidade de um filho de agricultores de subsistência é que ele próprio o venha a ser? Será que preferíamos que nos dissessem que, independentemente das suas qualidades (ou falta delas), os filhos dos 1% continuariam a sê-lo?
Não, não preferiríamos.
Se preferíssemos não haveria Euromilhões, essa fresta de esperança de que a fantasia se sobreponha à realidade dos que mais jogam. Até porque, evidentemente, o Euromilhões destina-se aos 99%.

Por exemplo:
Ontem estava a ouvir falar da África do Sul e lembrei-me que só soube o que era o Apartheid quando ele já não existia. Não era tema de conversa ao jantar porque ninguém àquela mesa sabia ou se interessava pelo que se passava depois da soleira da porta.
Descobri, pelos meus próprios meios, o que era a Bossa Nova e quem era o Vinicius de Moraes e quando se faz algo deste tipo pelos próprios meios é tarde. É mais tarde do que deveria ser.

Não quero, de forma alguma, criticar quem me edocou ou o meio a que pertenço. É, meramente, uma demonstração fáctica, ainda que superficial, admito, do motivo pelo qual o 99% e o 1% mudam muito pouco ou nada.

Friday, October 18, 2013

Malala Yousafzai

A Malala é a menina de quem se fala. Inclusivamente, foi aventada a hipótese de lhe ser atribuído o prémio Nóbel da Paz.
Como se sabe, esta menina sobreviveu a um tiro na cabeça à queima-roupa dado por um taliban paquistanês que, como os outros talibans de qualquer parte do Mundo, é contra a educação para as mulheres.
Ouvir a Malala e saber o que ela passou é comovente a todos os níveis. Esta criança é, hoje em dia, o estandarte para os Direiros Humanos e, mais concretamente, para o Direito das Mulheres.

E isto incomoda-me...

Um escritor cujo nome não recordo terá dito pobre da sociedade que precisa de heróis ou algo parecido. Quando acrescentamos à frase a palavra criança antes de herói... bem...parece-me que a pobreza desce a um novo nível.
Não deveríamos precisar de uma criança para nos lembrarmos do que os adultos deveriam fazer.
Não deveríamos precisar que uma criança levasse um tiro na tola por querer ir para a escola para que a educação passasse a ser prioritária.
Não deveríamos precisar de uma criança para verter nela toda a responsabilidade do mundo.
Não deveríamos de precisar de uma criança como exemplo e quase mártir para abrir os olhos e muito menos para nos sentirmos orgulhosos de crianças assim existirem.
Devíamos ter vergonha que tenha de ser uma criança a levar a tocha.
Devíamos ter vergonha de cogitar que uma criança possa ganhar um prémio Nóbel da Paz por levar um tiro que nunca devia ter acontecido.

A infânica da Malala acabou com um tiro ou, quem sabe, mesmo antes disso; ou, quem sabe, nunca chegou a existir.
A perda da infância, como a da inocência, pertencem ao caminho natural de uma vida (pelo menos de uma vida a partir do Sec. XX...ainda que o Sec. XX ainda não tenha chegado a todo o lado) e não devíamos dar loas à sua morte prematura.

A Malala, admirável e espantosa como é, deveria ser o símbolo do que não queremos e não o contrário.

Wednesday, October 16, 2013

Vinicius Há 100!

Dia 19 fazem 100 anos que Vinicius apareceu na Terra.
Quando Vinicius morreu ainda eu não tinha consciência de que por aqui andava o que só não me entristece porque se já a tivesse seria mais velho e se não me incomoda envelhecer a verdade é que prefiro ser mais novo.

O meu problema com Vinícius é transversal. É um problema que se prende com aquilo que entendo ser, intrinsecamente, mais importante do que o que se dá aos outros que não conhecemos: aquilo que damos aos nossos.
Esta tendência para tornar terrenas as pessoas leva-me a pensar que será difícil ser o Pai que todos merecem aquele que se casa com 8 mulheres diferentes e que vai trocando umas pelas outras. É-me difícil chamar a isto outra coisa que não egoísmo ou leviandade mas... o que ele terá tirado aos dele deu aos outros e eu sou um dos outros; sendo egoísta, fico contente mas não gostava de ser gerado por semelhante figura.

Esquecendo a objectividade...
1)Como Gilberto Gil, também a minha vida tomou um rumo diferente com o Chega de Saudade. É arte pura tornada simplicidade. É curto. É rápido. É tudo em muito pouco. É a génese do samba (como descrito no Samba da Benção), a tristeza glorificada como beleza e a certeza de que não existe amor sem sofrimento.
2)Um tipo cujo nome não recordo terá dito que o Vinicius poderia ter sido o maior baluarte da língua portuguesa caso não se tivesse envolvido com a música popular. 
Ou seja, não é de hoje que não se entende que a beleza e a arte não é feita para alguns e quando alguém faz algo de admirável que todos entendem e apreciam a arte é multiplicada. A música popular fez Vinicius como ele a fez a ela e se o facto de a Garota de Ipanema ser a música mais gravada da história não fez nada pelo Português...
Prova disto é que eu não me lembro do nome do gajo que criticou mas todos sabemos quem é o Vinicius.
3)O Vinicius, com o Jobim e o João Gilberto, inventaram a Bossa Nova. Se pensarmos em termos regionais, a música mais emblemática do Brasil é o Samba mas se pensarmos em termos globais, é a Bossa.
Para quantos (onde me incluo) o Brasil antes de ser o Rio de Janeiro ou a Amazónia era a Bossa Nova? A bandeira brasileira tem o nome de Vinícius.
4)Há uns anos vi um espectáculo no Mezzo que me fez ter saudades do antigamente. Era o Jobim, o Toquinho e o Vinícius (acho que a Miucha também mas não tenho a certeza). O Vinicius deambulava entre o piano do Tom e uma mesa que lá havia, sempre acompanhado de um cigarro e de um escocês no copo.
Não era um espectáculo limpo. O oxigénio estava conspurcado. O pano de mesa era ao xadrez. Era a vida. Quero-a assim: bonita mas com o seu sujo. Não quero trepar sem suar nem.

A finalizar, transcrevo uma história do Chico Buarque que me fez rir alto e que demonstra porque Vinicius era Vinicius:
"Uma vez, lá em casa, perguntei pro Vinicius se ele acreditava em reencarnação e, se acreditava, como ele queria reencarnar.
Ele me respondeu:
Ah, queria reencarnar como eu mesmo mas com um pau um pouquinho maior." 


Responsabilidade

A palavra Responsabilidade é bonita e usada com uma imensa gravitas por muitos dos responsáveis pelos destinos da nossa esfera. Não me lembro de intervenção política que não inclua o célebre assuma as suas responsabilidades dirigida ao outros ou um assumo as responsabilidades dirigida ao próprio. E muitas das vezes são utilizados ambos os termos no espaço de segundos.
O pessoal ouve aquilo (ou ouvia) e pensava que era verdade, que todos são dignos e que não fogem JAMAIS com o rabo à seringa.

Pensando um pouco mais sobre o assunto, assumindo ser um tema mais ou menos etéreo, não é difícil chegar à conclusão que para que alguém seja responsabilizado pelo que quer que seja é necessário que, do outro lado, haja uma qualquer consequência porque, bem vistas as coisas, sem consequência não existe, factualmente, responsabilidade.
E o que se passa é que não há mesmo responsabilidade porque não há mesmo consequências.

Os gajos que defendem que as consequências existem pautam-se pelo facto do pessoal poder castigá-los nas urnas mas isto é de pouca ou nenhuma monta para quem sofre com a irresponsabilidade. Se é verdade que a derrota pode afligir os próprios não é menos verdade que de pouco serve os outros, ou seja, todos nós.
Para mim não chega.
Para mim não é suficiente.
Eles perdem mas quem perde mesmo, sem chance de recuperar, somos nós.
Eles podem, até, perder a face, presumindo que alguns deles têm vergonha na cara, mas não perdem o que lhes alimenta o estômago.
Eles assumem as suas responsabilidades mas por poucos segundos porque logo a seguir pedem responsabilidades aos outros.

Tentando manter as coisas no plano material:
Os gajos que meteram cá a Troika não assumem as suas responsabilidades porque, minutos depois, passaram a ser contra tudo o que, pasme-se, assinaram.
Os gajos que meteram cá a Troika já se decidiram, há muito, a prometer coisas que impedirão que a Troika de cá saia por muito tempo (se sair).

Responsabilidade é isto?

Monday, October 14, 2013

Vemos o que Queremos ver?

Acredito que todos já tenhamos passado pela experiência de nos chamarem a atenção para algo em que não tínhamos reparado e, a partir daquele momento, passamos a ver essa mesma coisas vezes sem conta.
Não sei se lhe podemos chamar o poder da sugestão ou se será apenas um facto que não tínhamos reparado apesar de ser evidente.

Como é bom de ver, hoje em diz tudo o que ouvimos tem que ver com dinheiro/economia/finanças. Não é um caso apenas português em virtude deste péssimo tempo que passamos. Não. Passem pelas estações televisivas além fronteiras e por jornais desses mesmo lugares e anda tudo mais ou menos à volta do mesmo (este seria um óptimo momento para falar da igualdade de discurso entre os mais diversos gajos que falam pelo mundo fora - mormente políticos - e que se tornam novilíngua mudial...sendo que apenas se os compararmos uns aos outros entenderemos isso. Mas não vou nerdizar isto).

E entramos em Jesus Cristo (não literalmente, claro).
Parece um salto de lógica muito grande sem nada pelo meio. E é. Mas o que aconteceu foi isto:
O Bill O'Reilly escreveu um livro chamado Killing Jesus (uma senda de killings de personalidades históricas que ele vai esticando), livro que não li e que não pretendo ler. É dos infelizes casos em que como eu não suporto aquele otário não lerei o que escreve.
Neste livro, pelos vistos, é revelado que JC não foi crucificado pelos motivos que a bíblia e a sabedoria popular referem.
Foi crucificado porquê?
Cheta, you guessed it!!!

Diz o Bill que JC andava a pregar e tal mas que isso só irritava as pessoas, não mais que isso.
Terá este caso mudado de figura quando JC se insurgiu contra o facto de que as cenas religiosas estavam a ser utilizadas para negócios e cobranças de impostos por parte de, you guessed it!, judeus. Ora, quando JC começou a incomodar o cash flow o pessoal deixou de achar graça e daí à cruz foi um tirinho!

Não conheço a Bíblia o suficiente para ter uma opinião formada quanto ao que escrevi por transferência do Bill mas como não ouço falar em nada além de dinheiro e finanças e economia e deficit e balanças comerciais e impostos e por aí fora, a coisa não me parece desprovida de sentido.
Pode ser que o Bill se tenha aproveitado da conjuntura para que uma ideia que seria, à partida, parva passasse a fazer sentido.
E quem sabe se além de fazer sentido ainda por cima tem o condão de ser verdade?

Friday, October 11, 2013

Tenho andado a ver mais a CNN por causa do encerramento do Governo americano.
Exaspero com enorme frequência quando ouço os Republicanos e, ontem, estive perto de um surto porque, sem querer, levei com o Donald Trump. A culpa é minha, claro, mas, ainda assim, dói!

Caso alguém companhe a coisa mais ou menos como eu percebe que a palavra chave Republicana é negociar. Não há frase dita por qualquer Republicano que não englobe o queremos negociar ou ele não quer negociar ou a maneira americana de fazer as coisas é negociar ou este Presidente não quer negociar. Tudo isto é óbvio. Tudo isto é ensaiado. É uma das grandes virtudes do Partido Republicano esta de todos na mesma página e de que todos dizem o mesmo até que, ao fim de 100 macacos, pareça verdade. Os Democratas não conseguem fazer isto. A diferença é tão evidente como ver a forma de actuar da Fox e a forma de noticiar da MSNBC, os dois porta vozes quase oficiais de ambos os partidos.

O que teve graça, durante uma das transmissões, foi isto: estava um Republicano a falar e a repetir negociar negociar negociar e este iria ser substituído por outro, no mesmo programa, para que se possa ver que duas pessoas dizem o mesmo.
O problema foi que os dois se esqueceram que tinham aquilo que amplifica as vozes. Sabem? Microfones. Então, quando se renderam, o que tinha falado disse ao que ia falar alguma coisa como acho que está a funcionar! Não te esqueças! Negociar Negociar Negociar! É isto que tens de dizer sempre!

Nem sequer levei isto a mal porque não senti que me estivessem a tentar enganar antes, de tão evidente que era.
O que se torna premente dizer, nestas circunstâncias, é que o relevo que é dado na aposta na Educação por muitas e muitas pessoas é o único antídoto a isto. Só quando conseguimos entender podemos evitar ser tão enganados. Não basta estarmos atentos, é preciso saber!

...e porque o pessoal começa a perceber - o que é perigoso para os antigos donos da sabedoria - os Republicanos estão a levar uma cacetada tal que tiveram mesmo de começar a fazer o que apenas anunciavam. A Negociar.

Wednesday, October 09, 2013

Diamantes de Sangue - Rafael Marques

Por conta do que anda a dizer e a fazer o Machete lembrei-me, mais uma vez, de Angola.
Para rematar esta reminiscência, vai sair agora (ou já saiu) um filme sobre a vida de Hanna Arendt, uma das minhas autoras favoritas.

O que têm estas duas coisas em comum e como se enquadra aqui o livro do Rafael Marques?

Li o referido livro há uns tempos e se como livro não é a coisa mais à frente que já li (e não é mesmo...), a imagem da realidade foi mais chocante do que aquilo que previa.
Parte do livro refere os abusos das forças de segurança (tanto das FAA como dos mercenários) sobre os garimpeiros. Envolve assassinatos, torturas e abusos de todo o tipo.
A parte que não me chocou muito foi:
As forças de segurança matar e maltratar os garimpeiros porque queriam o que eles tinham. Quer isso fosse dinheiro quer isso fosse os diamantes que encontravam.
Apesar de ser, evidentemente, vergonhoso, é algo que consigo compreender. Consigo compreender que se use força para se roubar. Acontece em todo o mundo, com uma maior ou menos violência. Não é necessário um enorme esforço intelectual para entender.
A parte que mais me chocou foi:
Parte dos abusos que referi nada tinham que ver com roubo. Parte dos abusos não tinham qualquer fim que eu consiga entender. Parte dos abusos é um neo-colonialismo ou escravatura clássica.
Foram contados casos em que as forças de segurança apanhavam um grupo de garimpeiros e obrigavam-nos a lutar uns contra os outros, nus, ou a colocarem as mãos no fogo para ver quem aguentava mais tempo...sendo que quem aguentasse menos...
Não tinha outra finalidade além da violência em si mesmo. Não queriam nada. Não levavam nada além da dignidade das pessoas e a dignidade não se troca, depois, por arroz.

Foi nesta última passagem que me lembrei da Hanna e da banalidade do mal.
É chocante aquilo que as pessoas passam a entender normal, especialmente quando é, digamos, ratificado pelos seus superiores.
Pode ser a minha pele que seja já demasiado dura para ficar surpreendido quando alguém magoa para se apropriar do que quer que seja. Mas ainda não é demasiado dura para ficar pasmado quando alguém magoa apenas para magoar, sem segundo sentido ou plano ou benefício.

E depois, o Machete vem pedir desculpas por importunarmos angolanos. Ou melhor, dirigentes angolanos porque os angolanos são outra coisa.
Não se pense que estou aqui a reencarnar a Madre Teresa. Não faço parte dos idiotas que entendem que devemos recusar qualquer contacto com o regime de lá com base em princípios porque, bem vistas as coisas, teríamos de cortar relações com quase todos os países (onde se inclui os honrados EUA) e o dinheiro, que não tem cheiro, iria para outro lado fazer a mesma coisa com a mesma intensidade e com os mesmos favores.
Mas, que diabo, dar o rabo é um bocadinho de mais...

Monday, October 07, 2013

Redes Sociais

Este FDS tive um jantar com alguns dos meus amigos mais antigos. Bem... referir-me a todos como amigos é relativamente forçado mas dou-me bem com todos e este dar bem como todos costuma ser a medida para se chamar amigos a um determinado grupo heterogéneo; vou deixar assim.

Então:
como o tempo nos vai alterando a todos, houve algumas coisas que me fizeram perceber que uns eram, agora, outros e, verdade seja dita, em alguns casos essa alteração foi positiva. É um reforço da crença de que todos vamos evoluindo. O que é falso em termos absolutos mas felizmente verdade em termos relativos.
O que mais me deixou em estado de choque, ainda assim, foram as redes sociais. Esse vírus chamado Facebook.

Pá... eu andei agarrado às redes sociais entes destas dispararem de utilidade. Andei agarrado numa fase pré-smartphones. A dado momento fiquei farto e, como acontece em mais ou menos tudo na minha vida, não diminui. Cortei!
Fiquei, então, a ver esta alegria do post e da fotografia e da publicação e da constante actualização de estado (de, por exemplo, contente para a comer pasta e, eventualmente, a a arrear o calhau porque Deus nos livre de alguém desconhecer o que fazemos ao minuto. Somos todos super-interessantes, segundo nos dizem na televisão) de fora e julguei, lêdo engano, que era uma coisa adolescente. Uma coisa de gente a procurar-se no mundo e que acredita que o vai mudar e que a blusa que usa vai ser uma trend e que o namorado quando diz que está em casa não está, de facto, a malhar uma ucraniana.

Neste jantar, contudo, vi homens crescidos, com família, com profissão, com formação académica... a tirar fotinha e a publicar no Face para segundos depois ver quantos likes tinha! Enquanto o jantar decorria! Quantos likes tinha! A informarem, alegremente, que sempre que tiravam uma foto o telefone estava programado para a reenviar, de imediato, para o Face.
Adultos!
Homens!
Responsáveis e Pais de Família!
A verem os likes! A postar as fotos! Agarrados aos telefones enquanto se jantava!

A forma mais evoluída de sapiens não são eles, sou eu!
Eu sei que não sou suficientemente interessante ou especial para que uma multidão saiba onde estou e o que estou a fazer. Eu sei que o meu bife é melhor que o teclado virtual.
Eu sei isto tudo e sei também que o Mundo está um passo mais próximo do abismo! 

Wednesday, October 02, 2013

Há muitas coisas que causam perplexidade em quem as observa. Muitas vezes esta perplexidade pode ser o resultado de falta de conhecimento ou mesmo ignorâncias mas outras resulta, apenas, de não se encontrar qualquer fio condutor entre aquilo que sabemos e aquilo que vemos.

Por exemplo:

Não se percebe como é que num país como o Brasil, em que será difícil encontrar alguém de raça pura, o racismo é tão assolapado. E nem sempre é, apenas, o racismo. Muitas vezes há uma distopia entre a realidade e a ficção. Há uns anos ouvi Ronaldo Fenómeno dizer qualquer coisa em que se englobava a expressão nós, os brancos. Ronaldo imagina-se branco...o que naturalmente não é.
Não percebo, também, completamente o problema dos EUA com emigrantes. Esquecendo o facto de que a coluna produtiva americana se baseia, também, nesta quase escravatura do trabalho ilegal, é espantoso que um país em que os nativos se consideram Mexicanos, Irlandeses, Italianos e por aí fora (os que nasceram lá!!), têm um tão grande asco a quem para lá vai com os mesmos objectivos com que eles ou alguém antes deles para lá foi.
Ainda no que concerna a emigrantes, faz-me confusão que haja portugueses que tenham problemas com eles. Nós somos os emigrantes da Europa. Nós fomos, não assim há tanto tempo, o que os trolhas de leste são agora, com a desvantagem de que os trolhas de leste têm, muitos deles, cursoso superiores e não apenas bigodes. Faz-me confusão o país da diáspora que somos, talvez mesmo os pioneiros do melting pot, entenda pretos, amarelos, vermelhos ou outros quaisquer como sub-humanos.
É espantoso, também, que os alemães achem que têm discussões olhos nos olhos com os americanos ou com os chineses (ouvi um deles dizer isso na conferência do Pingo Doce). Não têm. Não podem ter. Olvidam que foi por limitações físicas evidentes e inultrapassáveis (em termos de paz) que tentaram apanhar a Europa toda. Sim, havia uma componente racial mas o principal foi a necessidade de um espaço vital que lhes permitisse serem uma potência ao nível russo ou americano.

É espantoso mas o ser humano também o é.